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Foi uma pena que sua morte tenha ocorrido num momento profissionalmente tão especial quanto aquele. No início da década de 1990, alguns de suas obras começavam a ser publicados em diversos países europeus, tendo boa recepção. Caio Fernando Abreu morreu, em 25 de fevereiro de 1996, em decorrência de complicações da Aids. Partiu cedo. Afinal, a despeito do que comumente se pensa, quando se tem 47 anos, ainda há muita coisa para viver, ver, rever e no caso de Caio, escrever.

Se hoje estivesse vivo, Caio certamente ficaria feliz em ver o interesse cada vez maior por seu trabalho. Ou talvez ficasse espantado também, pois como ele mesmo dizia que sua escrita andava à margem da literatura brasileira. Embora à margem, Caio foi um homem de letras: fez das palavras, o seu ganha-pão e sua expressão. Falava de rock, astrologia, drogas e sexo, se entregava sem receios à cultura pop, quando isso ainda era conhecido como uma heresia, tanto à direita como à esquerda, na literatura brasileira.

“Na minha obra aparecem coisas que não são consideradas material digno, literário”, disse meses antes de falecer. “Deve ser insuportável para uma universidade brasileira, para a crítica assumir e lidar com um escritor que confessa, por exemplo, que o trabalho do Cazuza e Rita Lee influenciou muito mais do que Graciliano Ramos, isso não é literário e eu gosto de incorporar o chulo, o não literário.”

Mesmo sem ter concluído um curso universitário, trabalhou, desde o fim da década de 1960, como redator e editor por quase toda sua vida e integrou a equipe de alguns importantes jornais e revistas do país. Sua produção para a imprensa é vasta: artigos, reportagens, entrevistas, resenhas, críticas e editoriais. Na literatura, também foi polivalente: escreveu narrativa infanto-juvenil, crônicas, contos, novelas, romances e peças No entanto, foi como contista que Caio F. se destacou e ficou conhecido. “Talvez circunstâncias de sua vida tenham sido responsáveis pela adoção do conto como sua principal forma de expressão literária”, conta Rebeca Farias, professora de Literatura.
De resto, fica uma observação. As histórias de Caio- de amor ou não e até mesmo aquelas consideradas pesadas, chulas e tristes – parecem lembrar que a vida apesar dos pesares, ainda vale a pena ser vivida, como sugere o conto “Morangos Mofados”. O fim desse conto (“Frescos morangos vermelhos. Achava que sim. Que sim. Sim”), remete explicitamente ao livro A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, escritora de quem Caio era um leitor assumido. Nas linhas finais do romance de Clarice, o narrador Rodrigo S.M, angustiado e perplexo com a morte rude de Macabéa, lembra ao leitor. “Não se esquecer que por enquanto é tempos de morangos. Sim.” A inesperada recomendação do narrador, além de surpreender o leitor, é um tanto enigmática .

Várias interpretações podem ser feitas. Uma dela sugere que, diante da morte crua e inevitável da personagem, os morangos representariam a vida. Em outras palavras, Caio Fernando Abreu, nos lembra em seus textos que a vida-apesar de, às vezes, ser monótona, dolorosa e um tanto tediosa e cruel-, continua sendo a vida. A nossa vida.

Texto:  Eduardo Sousa || Imagem: Internet