marcel-proust-madeleine

 

 

O escritor francês Marcel Proust em 1905, escreveu um prefácio ao livro Sesame and Lilies (Sésamo e os Lírios), de John Ruskin. Publicado sob o título Sur La lecture (Sobre a Leitura), o prefácio acabou ganhando vida independente e se tornou um clássico das reflexões sobre o gesto de ler. O Entre Aspas separou para você alguns dos melhores momentos do texto, na tradução de Carlos Vogt (Editora Pontes, 1989).

1. “A leitura está no limiar da vida espiritual; ela pode nela nos introduzir, mas não a constitui”.

2. “Há, contudo, certos casos, certos casos patológicos, por assim dizer, de depressão espiritual para os quais a leitura pode tornar-se uma espécie de disciplina curativa e se encarregar, por incitações repetidas, de reintroduzir perpetuamente um espírito preguiçoso na vida do espírito”.

3. “Os livros desempenham então um papel análogo ao dos psicoterapeutas para certos neurastênicos”.

4. “Da pura solidão, o espírito preguiçoso não pode tirar nada, pois é incapaz de, sozinho, por em movimento a sua atividade criativa. (…) A única disciplina que pode exercer uma influência favorável sobre estes espíritos é, portanto, a leitura…”

5. “Sem dúvida, a amizade, a amizade que diz respeito aos indivíduos, é uma coisa frívola, e a leitura é uma amizade. Mas ao menos é uma amizade sincera, e o fato de dirigir-se a um morto, a um ausente, lhe dá qualquer coisa de desinteressada, quase tocante”.

6. “Talvez não haja na nossa infância dias que tenhamos vivido tão plenamente como aqueles que pensamos ter deixado passar sem vivê-los, aqueles que passamos na companhia de um livro preferido”.

7. “Era como se tudo aquilo que para os outros os transformava em dias cheios nós desprezássemos como um obstáculo vulgar a um prazer divino: o convite de um amigo para um jogo exatamente na passagem mais interessante…”

8. “… a abelha ou o raio de sol que nos forçava a erguer os olhos da página ou a mudar de lugar, a merenda que nos obrigavam a levar e que deixávamos de lado intocada sobre o banco, enquanto sobre nossa cabeça o sol empalidecia no céu azul; o jantar que nos fazia voltar para casa e em cujo fim não deixávamos de pensar para, logo em seguida, poder terminar o capítulo interrompido…”

9. “… tudo isso que a leitura nos fazia perceber apenas como inconveniências, ela as gravava, contudo, em nós, com uma lembrança tão doce (muito mais preciosa, vendo agora à distância, do que o que líamos então com tanto amor) que se nos acontece ainda hoje folhearmos esses livros de outrora, já não é senão como simples calendários que guardamos dos dias perdidos, com a esperança de ver refletidas sobre as páginas as habitações e os lagos que não existem mais”.

10. “Quem, como eu, não se lembra dessas leituras feitas nas férias, que íamos escondendo sucessivamente em todas àquelas horas do dia que eram suficientemente tranquilas e invioláveis para abrigá-las[?]”.

11. “De manhã, voltando do parque, quando todos ‘tinham ido fazer um passeio’, eu me metia na sala de jantar, onde, até a ainda distante hora do almoço, ninguém, senão a velha Félice, relativamente silenciosa, entraria, e onde não teria como companheiros de leitura mais do que os pratos coloridos pendendo nas paredes…”

12. “Já era meio-dia, fazendo com que meus pais pronunciassem as palavras fatais: ‘Venha, feche seu livro, vamos almoçar’”.

13. “O que as leituras da infância deixam em nós é a imagem dos lugares e dos dias em que elas foram feitas”.

14. “Depois a última página era lida, o livro tinha acabado. Era preciso parar a corrida desvairada dos olhos e da voz que seguia sem ruído, para apenas tomar fôlego, num suspiro profundo”.

15. “Procurei mostrar […] que a leitura não poderia ser assimilada a uma conversação, mesmo com o mais sábio dos homens; que a diferença essencial entre um livro e um amigo não é a sua maior ou menor sabedoria, mas a maneira pela qual a gente se comunica com eles, a leitura, ao contrário da conversação, consistindo para cada um de nós em receber a comunicação de um outro pensamento, mas permanecendo sozinho, isto é, continuando a desfrutar do poder intelectual que se tem na solidão e que a conversação dissipa imediatamente”.

 

 

Texto: Eduardo Sousa | Imagem: Internet

Tagged in:

,