Na Bahia, pesquisadores começam tratamento experimental com células-tronco O experimento é para vinte brasileiros paraplégicos ou tetraplégicos

Tatiana Sabadini

A medula espinhal é a grande condutora de impulsos nervosos e motores entre o cérebro e o resto do corpo. Quando ela sofre alguma lesão, a comunicação se interrompe. Os braços e as pernas não mais respondem e a pessoa fica paralisada. Para tentar interligar o sistema novamente, os cientistas apostam no poder das células-tronco adultas. Em Salvador (BA), 20 brasileiros se preparam para passar por um tratamento — com resultados promissores em laboratório. As células serão retiradas dos próprios voluntários, multiplicadas e inseridas na área lesionada. A ideia não é curar, mas trazer mais qualidade de vida e maior mobilidade para paraplégicos e tetraplégicos.

A pesquisa, realizada no Hospital São Rafael, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), começou há cinco anos. Na fase experimental, o tratamento foi feito em cães e gatos paraplégicos, que sofreram traumas por conta de acidentes. “Fizemos a cultura das células-tronco desses animais e depois as colocamos na lesão. Com uma cirurgia, instalamos o material na cicatriz fibrosa e tivemos um bom efeito”, explica Ricardo Ribeiro, imunologista, especialista em terapia celular e coordenador da pesquisa.

Durante o estudo com animais, os resultados mostraram uma melhora no controle das funções fisiológicas urinárias e intestinais. Eles também esboçaram uma maior mobilidade nos movimentos, mas como é muito difícil aplicar atividades de fisioterapia nos bichos, elas não se desenvolveram, de acordo com o pesquisador. “Acreditamos que a parte de reabilitação depois da implementação das células vai ser um fator fundamental para a eficácia do tratamento. Não adianta nada ligar o fio, se não trabalharmos o músculo”, comenta Ribeiro.

Para participar da pesquisa foram escolhidas 20 pessoas com paraplegia, com pelo menos seis meses e no máximo dois anos de trauma, que não tiveram corte completo da coluna e foram lesionados em acidentes de carro ou em piscinas. A ideia dos pesquisadores, nessa primeira fase, foi padronizar o grupo para analisar melhor os resultados. “Não começamos pelos casos mais graves, para tentar avaliar essas chances de recuperação desde o começo”, diz o coordenador do projeto.

A paraplegia acontece quando a lesão na medula espinhal é na coluna torácica e tem como consequência a perda do movimento dos membros inferiores. Quando o problema acontece na cervical, determina uma tetraplegia, com a perda da sensibilidade dos membros inferiores e superiores. “No tetraplégico, a lesão é muito alta e mais complexa. Por isso, nessa nova fase vamos evitar a complexidade e pegar os casos um pouco mais simples. Dependendo do tipo de melhora e conforme o tratamento evoluir, vamos ampliar para outros pacientes”, conta.

Desafio
Quando a medula sofre um trauma, o tratamento é primeiro emergencial e depois de intensa fisioterapia. Para Alexandre Fogaça, médico do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), o grande desafio da ciência é encontrar uma alternativa para não só melhorar, mas para curar a lesão. “A comunicação entre o cérebro e o corpo é cortada. Atualmente, a primeira solução quando isso acontece é descomprimir a coluna. Depois, colocamos uma placa de metal para o indivíduo voltar a ter um certo equilíbrio. Mas podemos dizer que a lesão não tem tratamento. Nos últimos anos, estamos buscando um que seja eficaz”, comenta o ortopedista.

Há cinco anos, o Hospital das Clínicas realizou um estudo similar com células-tronco adultas. Trinta pacientes participaram da pesquisa: 66% deles voltaram a registrar um impulso nervoso na medula espinhal. Eles apresentaram uma melhora na mobilidade, mas não na força. “Os pacientes tinham mais de dois anos de lesão e acreditamos que isso tenha influenciado. Uma fisioterapia complementar talvez tivesse sido necessária. É preciso analisar bem esses dados. No momento, estamos planejando outros trabalhos desse tipo”, revela Fogaça.

A pesquisa em Salvador começou a ser colocada em prática no início de setembro, quando quatro voluntários tiveram células-tronco retiradas da medula da bacia. Logo em seguida, elas foram levadas para cultivo no laboratório — onde permanecem de duas a três semanas. “Geralmente, a concentração de células é pequena para realizar o tratamento, por isso colocamos enzimas para aumentar a proliferação, de 1% para 99%. É um trabalho muito minucioso, feito com muito cuidado para controlar o processo, porque as células podem facilmente se transformar em tumorais. São horas de observação”, explica Ribeiro.

A segunda fase é injetar as células-tronco no local da lesão, por meio de uma cirurgia. A cicatriz do paciente é aberta e o material é injetado no local da lesão. “Acreditamos no potencial das células, porque elas podem ter a capacidade de formar novos nervos ou de produzir fatores para estimular um aumento de crescimento das fibras nervosas necessárias para tratar o trauma”, explica Ribeiro.

Os pesquisadores esperam que os resultados possam ser percebidos nos primeiros dois meses depois da aplicação. Uma equipe multidisciplinar se prepara para acompanhar todo o processo. “É claro que não queremos transformar os pacientes em atletas ou maratonistas, mas esperamos que eles tenham uma melhor qualidade de vida, principalmente no controle dos esfíncteres uretral e anal”, diz o imunologista. O tratamento deve continuar com fisioterapia intensiva, e os voluntários vão ser acompanhados durante dois anos, período necessário para que se chegue a alguma conclusão científica.

Fonte: correio braziliense.

About the Author

Jorge Brandão

Fisioterapeuta, Osteopata, RPGista. Diretor da clinica Fisio Vida.

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