De onde vem a poesia? Para os mais românticos, versar é se declarar todos os dias. Os mais realistas diriam que é um instrumento de expressão poderoso contra a mesmice do cotidiano. O poeta Emerson Bastos, 30, assume que o “olhar sobre” já faz parte da poesia – um produto do meio.

Quem costuma visitar o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, em Fortaleza, provavelmente já conheceu o personagem que apresenta seu trabalho como quem leva flores. A série de livretos “Retratos de Dentro de Mim”, com três volumes publicados e o quarto (de dez) para sair, traz poemas escritos pelo cearense que atravessa Fortaleza de bicicleta para vender sua arte.

Bastos abandonou o estresse dos empregos mais comuns, diga-se de passagem, para vender suas publicações. “Creio que a entrevista que você tá fazendo comigo agora nem é tanto pelo conteúdo do meu poema, é mais porque eu sou um cara que vive de poesia. Eu sou um poeta profissional”. Ele tem razão. O poeta faz tudo sozinho. E teve que aprender bastante para se virar. “Se eu tivesse meu livro numa livraria hoje eu não teria essa desenvoltura para lidar com as pessoas”.

Para o cearense com sotaque do interior de São Paulo, onde foi morar aos sete meses, a poesia veio da música quando percebeu que os compositores que mais gostava tinham suas próprias referências literárias. Aos 15, começou a escrever letras de música. Com o passar dos anos passou a produzir os próprios fanzines. “Não para sobreviver, mas pra comprar os CDs que gostava, pra comprar fanzine, camisetas de banda de rock e beber. Eu bebia muito”.

Nesta entrevista ao Repórter Entre Linhas, Emerson Bastos fala de aprendizados e memórias consequentes do desafio de viver da própria arte em Fortaleza. A produção do trabalho autoral “Relacionamentos Afetivos Romanticamente Políticos” também é pauta.

Imagem: Emol

Imagem: Divulgação/ Emol

Na poesia encontrei essa saída para a fantasia, para a brincadeira, para o voltar a sorrir”. – BASTOS, Emerson.

Por que escrever?

Emerson Bastos: Primeiramente, por que ler, né? Porque a gente começa lendo. Na leitura encontrei um refúgio, uma saída da realidade, às vezes tão monótona. Na poesia encontrei essa saída para a fantasia, para a brincadeira, para o voltar a sorrir. Como eu brincava com meus brinquedos na infância, hoje brinco com as palavras. Escrevo, em primeiro lugar, pra exercitar essa brincadeira. É divertido pra mim escrever. É desafiador. Quanto forma, é isso. Quanto conteúdo, procuro sempre falar das coisas que acredito, as minhas discordâncias da sociedade, diante dos padrões impostos que a gente já nasce dentro deles. Mas também sobre meus amores, afetos… Quase tudo que eu consigo brincar, abstrair, eu escrevo.

Em que momento você percebeu que passaria a vida fazendo isso?

Emerson: Esse momento nasceu de forma inusitada. Escrevo desde os 15, comecei escrevendo letras de música. Montei uma banda aos 16 para participar de um festival, no colégio, escrevi uma letra e os meninos colocaram a música. Comecei assim. Depois viajei muito. Fui pra Goiânia, trabalhei como motorista de ônibus, eletricista industrial, pintor de prédio trabalhei numa vídeo locadora, minha primeira realização profissional. Era tudo muito estressante. Decidi trabalhar com algo que sinta prazer e possa expressar meu posicionamento político, que eu não me escravize, que seja completamente independente. Percebi que o que gosto mesmo é de arte, tanto da poesia quanto da música. Não é fácil ser escritor e eu não tinha praticamente nada escrito. As coisas que escrevia eu joguei tudo fora…

Por quê?

Emerson: Eram coisas muito imaturas, panfletárias, bobinhas. E aí eu pensei como sobreviveria disso, mas decidi: “eu vou sobreviver disso nem que eu tenha que vender poesia na rua. Ah, eu vou vender poesia na rua!” Já foi a ideia inicial.

Por que o nome “Retratos de Dentro de Mim”?

Emerson: São coisas muito minhas. Não retrato pensamento alheio. São os meus amores, minhas vivências, minhas deduções.

Vai muito pela memória afetiva?

Emerson: Sim.

E qual a memória mais forte que te inspirou?

Emerson: Falo muito sobre os meus relacionamentos amorosos, por mais que não dedique, não dê nome aos bois. Mas é muito verdadeiro, pouca coisa é ficção.

Volumes 1, 2 e 3 dos livretos da série

Volumes 1, 2 e 3 dos livretos da série “Retratos de Dentro de Mim”

Há previsão para concluir a obra?

Emerson: Não. É um amadurecimento que não consigo calcular. Já tenho os 11 poemas do quarto livreto, mas os deixo dentro de uma pasta, que todo dia eu abro e mexo em alguma coisa. Depois de uma semana que não mexo em nada, está pronto. O processo de finalizar algo é difícil, mas tem que ficar pronto. Mas isso não impede de mudar o poema. Os primeiros livretos tem pomas que mexi depois de publicado.

E seu projeto solo musical entra quando nisso tudo? 

Emerson: A ideia era viver de poesia e música. Comecei a compor. É um processo mais difícil porque não sou instrumentista, toco só violão. Eu componho, não tenho parceiro que possa fazer as músicas bem elaboradas pra eu colocar as letras. É um processo lento, mas já tenho as músicas do primeiro álbum prontas, agora tô levantando dinheiro pra gravar. Encontrei um produtor pra fazer os arranjos, Mateus Brasil, é multi-instrumentista, já gravamos cinco. Estão disponíveis pra audição no meu site.

Por que você escolheu o Dragão do Mar para vender sua arte?

Emerson: Por ser um centro cultural já tem pessoas interessadas em arte, cinema, teatro, já tem uma abertura maior pra poesia. É um lugar-chave. Tem os bares também. O Dragão do Mar é um lugar que gosto de estar. Aqui as pessoas me procuram. Deixam recado com os garçons… Virei uma estátua viva do dragão. (Risos).

O Dragão do Mar te inspira?

Emerson: Sim, porque tem todo tipo de pessoas, das mais variadas classes sociais. Consigo vender pra um político, empresário, e consigo ter contato com moradores de rua, conhecer pessoas que viajam pelo mundo inteiro de bicicleta vendendo artesanato.

Como é o seu processo criativo?

Imagem: Divulgação/ Emol

Imagem: Divulgação/ Emol

Emerson: Assim, a poesia vem antes do poema. O “olhar sobre” já faz parte da poesia. O meu momento máximo na arte é o momento da criação. Sozinho no meu quarto, cabeça fervendo. Eu não me lembro de nada, ou me lembro, né? (Risos) Junta tudo ali… Não dá pra descartar a vida, tudo o que você viveu faz parte. Depois que tá feito o poema, não importa. Não tenho apego nenhum, tanto que não registro. Meu poema é livre para ser roubado. Pode colocar isso na entrevista! (Risos).

Você participou dos projetos (de incentivo à  leitura) “Recreio Literário” e “Mais Leitura”. Qual a importância da poesia e da música na educação?

Emerson: É fantástico. Costumo dizer que meu relacionamento com a poesia começou no colégio. Eu não gostava de leitura, sempre fui um péssimo aluno. Eu sempre tive muita dificuldade pra me concentrar em algo, até que um dia o exercício na aula era ler o poema “(Vou-me Embora Para) Pasárgada”. Quando li foi aquela coisa, né? Uma explosão. Adorei! Foi a primeira coisa que gostei de ler no colégio. Foi mágico. Lembro que cheguei em casa, joguei a mochila, peguei a bicicleta e fui para a biblioteca pública em Araraquara (SP) para pegar o livro do Manuel Bandeira com aquele poema e conhecer outros. Foi o início, eu sabia que tinha poesia. Para mim, foi fundamental.

E como é trabalhar nesses projetos?

Emerson: Acho de extrema importância. Sou completamente aberto para participar de projetos em escolas públicas. E tem mais gente fazendo isso, grupos de poetas, de gente que se dedica à arte. Diretores que querem fazer essa parceria, é fácil, tem grupos que querem levar sarau para colégios, muitas pessoas interessadas que sabe da importância que a arte tem pra quem tá em formação.

Colaborou: Mariana Amorim

About the Author

Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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