O ato de escrever, como necessidade, fica claro na história de vida de Maurício Gomyde. O paulista, que escreve para “deixar registrado” um pouco das próprias experiências, já publicou quatro livros de forma independente. O primeiro veio em 2002 e foi batizado de “O Mundo de Vidro”. Demorou quase dez anos para o segundo título do autor, “Ainda Não Te Disse Nada” (2011), vir ao mundo. A partir de então, foi um livro por ano.

Para o músico, tudo começou na época da escola, quando entregava cinco redações por semana. “Ali foi plantada a semente”. Apesar da dedicação, o garoto não havia atentado ainda para o futuro com as letras, “isso foi com o tempo”.

Com uma carreira literária pautada no trabalho de divulgação na internet, Maurício Gomyde, que já acumula mais de 28 mil curtidas só no Facebook, lança hoje o sexto livro – “Surpreendente!”. Na narrativa, os personagens têm o desafio de filmar um roteiro magnífico para concorrer ao maior prêmio do cinema brasileiro. Eles só não sabem como fazer isso. O título vem com a realização de um sonho: é o primeiro pela editora Intrínseca.

Nesta entrevista concedida por e-mail ao Repórter Entre Linhas, Gomyde da importância da auto-publicação e o caminho para chegar até seu novo livro – uma história sobre amizade, “em última instância”, e uma bela homenagem ao mundo do cinema.

Maurício Gomyde

Imagem: Divulgação

Se você escreve algo que faz ao menos uma pessoa refletir, já terá feito uma grande contribuição”. – GOMYDE, Maurício.

Você lançou quatro livros de forma independente. Como avalia esse período de auto-publicação?

Maurício: Foi um período maravilhoso. Eu vivenciei tudo o que se pode esperar de um trabalho independente. Eu cuidava do processo inteiro, desde a escrita até a venda, passando pela divulgação, capa, diagramação, booktrailer etc. Gosto de fazer essas coisas. Agora que estou em editora, sempre digo a eles que saí do independente, mas o independente não saiu de mim. Fico tentando ajudar, muitas vezes até de forma excessiva, e eles me falam: calma, calma! (Risos).

Quais as dificuldades encontradas na publicação independente?

Maurício: A maior dificuldade é a divulgação e a exposição em lojas. A divulgação você até consegue minimizar os efeitos de sua ausência, tendo uma atuação ativa nas redes sociais. Já a colocação em lojas é mais difícil. Mas há canais de venda online que podem ajudar. Agora, uma coisa bacana no independente é a possibilidade do controle total do processo. Isso é bom demais.

Qual a importância dos fãs no trabalho independente?

Maurício: Acho que é a mesma dos fãs no trabalho em editora. Particularmente, escrevo para ser lido. Gosto do feedback da turma, mesmo os negativos. Os fãs te colocam pra cima, ajudam a divulgar, são entusiastas do trabalho. Sem os leitores, nada disso aqui teria graça.

Como surgiu a ideia para “Surpreendente!”?

Surpreendente!Maurício: Eu queria contar uma história que completasse minha “trilogia”. Eu tinha um livro sobre música (O rosto que precede o sonho) e um sobre literatura (A máquina de contar histórias). Faltava o terceiro elemento do tripé. Daí, para chegar no resultado final muita coisa aconteceu. Acabou que se transformou em um road book. Quatro amigos na estrada, em busca do filme perfeito. Acho que é um filme sobre amizade, em última instância.

O protagonista de “Surpreendente!” tem a “missão de usar o cinema como instrumento para melhorar o mundo”. Você considera que tem essa mesma missão com a literatura como instrumento? Por quê?

Maurício: Não penso nisso deliberadamente. No fundo, acho que toda pessoa, seja em que profissão estiver, tem a missão de deixar este mundo melhor para seus filhos. É uma coisa instintiva. A literatura é bacana, porque você pode fazer algo mais direto. Pode deixar uma frase inspiradora, por exemplo. Mas não necessariamente isso vai bater em todo mundo. Se você escreve algo que faz ao menos uma pessoa refletir, já terá feito uma grande contribuição.

O personagem comanda um cineclube e trabalha em uma locadora. Você foi um adolescente que frequentava cineclubes? E as locadoras?

Maurício: Atualmente frequento um cineclube no meu trabalho. E já fui em muito filme comentado, ou que, ao final, a turma fizesse algum tipo de debate. Gosto desta coisa de compartilhar os sentimentos. E fui demais da conta em locadoras. Eu sempre adorei entrar e ficar lá olhando, procurando, tentando encontrar alguma pérola. Sempre foi um ambiente que me fez bem. Atualmente já não se vê muitas, pelo menos perto da minha casa. Nossa locadora passou a ser o Netflix, e isso é de uma frieza absurda… rsrsrs.

Quais suas referências na literatura?

Maurício: Engraçado, porque não penso em um autor específico. Sempre me fazem essa pergunta e cada vez a resposta sai de um jeito. Gosto muito de romances de ficção. Talvez cite aqui, de cabeça, Salinger, Machado, Nick Hornby, Kerouac, Graciliano. Tenho lido muitos autores nacionais novos e tenho gostado muito.

O que influencia seu trabalho criativo?a-maquina-de-contar-historias-capa3.jpg.1000x1353_q85_crop

Maurício: Sou muito influenciado pelo cinema e pela música. Fui estudante de cinema e sou músico. Essas atividades “complementares” norteiam muito do que faço. Estou sempre assistindo a filmes e ouvindo discos para “calibrar” a inspiração.

Como foi a aproximação com a editora Intrínseca? Surgiu de você ou deles?

Maurício: A Intrínseca sempre foi um desejo meu, mas ficava guardado comigo. Quando eu assinei com minha agente atual, disse a ela que gostaria que o livro fosse apresentado a eles (eu jamais havia apresentado qualquer livro a qualquer editora). Assim ela fez e, três dias depois, a editora me fez uma proposta. Foi algo do tipo “Êpa, isso é pegadinha! Conta outra!”(Risos).

O livro já estava pronto antes da mudança de editora ou a ideia partiu depois da Intrínseca?

Maurício: O livro já estava pronto. Comecei a escrever logo depois de entregar “A Máquina de Contar Histórias” para a Novo Conceito e o finalizei no dia 31 de dezembro. Apresentamos o livro no início de fevereiro.

Existe plano para alguma sequência de um livro seu já lançado?

Maurício: Não. Na verdade, não gosto de sequências. Nunca gostei nem de ler e nem de escrever sequências. Acho que a história deve ser encerrada ali mesmo, fica uma coisa requentada, sei lá. Não escrevo livros longos, minhas histórias sempre são enxutas. E não me imaginaria passando mais tempo contando algo sobre aqueles personagens. Gosto de personagens sempre novos.

Existe plano para relançar seus livros pela editora nova?

Maurício: Por enquanto não conversamos sobre isso. Já tive propostas de outras editoras para o relançamento de meus independentes, mas não é hora ainda. E, quando for a hora, sei que sairão pelos melhores esquemas.

Qual seu próximo projeto?

Maurício: Tenho mais um livro assinado com a Intrínseca e, passando a bienal do Rio, começo a nova história. Já tenho quase tudo na cabeça e agora é mãos à obra.

About the Author

Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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