Caminho das abelhas 1 - Iana Soares

Iana Soares / Caminho das Abelhas

Uma experiência coletiva. É assim que os fotógrafos que assinam a exposição Caminho das Abelhas a definem. “A exposição se torna mais forte, mais simples, porque ela mostra a diversidade do olhar indiferentemente de como o sertão se apresenta pra cada um dos fotógrafos“, explica o piauiense Sérgio Carvalho.

Sertão esse que recebeu, além de Sérgio, os fotógrafos Iana Soares (CE), Markos Montenegro (CE), Paulo Gutemberg (PI), Silas de Paula (RJ) e Vanessa Andion (BA), e agora resulta na mostra que narra, por meio de 48 imagens, o processo de desertificação de Irauçuba, a 168 km de Fortaleza. O caminho que aponta e grita para o deserto fica em cartaz no Espaço Cultural Correios Fortaleza (ECC) até o dia 19 de março.

Sérgio esclarece que, em sua própria subjetividade, o semi deserto transcende a fotografia. Criado em Simplício Mendes, município do interior do Piauí, ele lembra que a paisagem traz muito da memória afetiva. “E existem três coisas que permanecem independente do sertão que você esteja: o tempo, o silêncio e a solidão“.

Para Vanessa Andion, a percepção foi diferente. Após o impacto de “mergulhar pela primeira vez” na paisagem, ela acredita que está diante de uma oportunidade de sensibilizar a sociedade e o poder público sobre o que acontece na vizinhança. O debate, aliás, era sugerido no subtítulo anteriormente usado para a exposição – o deserto é logo ali. “Foi um olhar de espanto“.

Caminho das abelhas 2 - Sérgio Carvalho

Sérgio Carvalho / Caminho das Abelhas

Para compreender as discussões que permeiam a trajetória dos seis fotógrafos, o Repórter Entre Linhas conversou também com Iana Soares. Editora de fotografia do jornal O POVO, é graduada em Ciências Sociais (Uece), Jornalismo (UFC) e mestre em Belas Artes pela Universidade de Barcelona. Em 2015 levou para casa o Prêmio BNB de Jornalismo na categoria fotografia nacional com especial “Sertão a Ferro e Fogo – Marcas de gado e gente”.

Por que é necessário contar essa história?

Iana Soares: (Pausa). Eu acho que quando a gente escolhe… Em termos social e histórico, Irauçuba é um município cearense que está passando por um grave processo de desertificação. Alguns companheiros que estão na exposição comigo já faziam essa viagem entre o Ceará e o Piauí, ou outros destinos, e tinham um certo interesse pelo lugar que é uma paisagem muito interessante. Digamos que essa era a primeira a ideia. A primeira desculpa que a gente tinha pra ir lá era a desertificação. E aí quando a gente começa a empreender uma série de viagens, vem o contato com as pessoas, a relação das pessoas com o próprio lugar que elas moraram a vida inteira – elas nasceram e se criaram ali. Então acho que com essa narrativa a gente dá visibilidade ao lugar, às pessoas e, de certa forma, Irauçuba ajuda a entender o sertão cearense, o sertão nordestino. Ajuda a entender um pouco essa relação que a gente tem com o processo de desertificação, relação com o meio ambiente, e que a urgência de contar essa história é pela parte social e também pela parte afetiva de narrar esses encontros que a gente teve nesse lugar.

Tem muito da memória afetiva nesse trabalho?

Iana: Olha, meus pais são de Mombaça (a 296,1 km de Fortaleza), mas eu sempre fui mais de litoral do que de sertão. O sertão vem pra mim muito forte quando eu começo a trabalhar com MST lá atrás – durante um tempo trabalhei com o MST em Canindé, com Educação de Jovens e Adultos. Durante dois anos eu ia muito a Canindé que também é uma área que passa por problemas de seca. É uma área muito forte do nosso semiárido. Tive essa vivência com as pessoas do sertão, então acho que o sertão é fundamental pra gente se entender como cearense e como brasileiro também. É uma paisagem muito forte do nosso território. Tem uma memória afetiva, mas tem também uma ideia de que mesmo não estando lá a vida inteira, aquilo faz parte de mim. O Sérgio nasceu no sertão do Piauí, em Simplício Mendes, mas mesmo quem não nasceu ali tem o sertão como algo muito próximo, iminente e constante no nosso imaginário visual. Aqui no jornal (O POVO), onde estou desde 2009, já fotografei muito sertão, então é uma paisagem constante. É um lugar que a gente sempre vai também para se entender um pouco mais.

O Sérgio comentou que, independente do lugar, o sertão não muda. Qual o impacto disso na fotografia?

vanessa andion - caminho das abelhas 2

Vanessa Andion / Caminho das Abelhas

Iana: Acho que existe uma visualidade do sertão muito forte. Se você fala para um brasileiro que nunca foi ao sertão, talvez ele vai imaginar um chão rachado, certo estereótipo nordestino. É importante a gente transitar entre isso, que já está muito estabelecido, mas também tentar ver nuances além da superfície. É muito árido, mas é uma explosão de cor também. Acho que pelo fato de sermos seis também traz essa ideia de que são múltiplos olhares. Somos seis fotógrafos contando a sua história do sertão.

O fazer jornalístico é muito solitário e vocês tiveram uma experiência coletiva.

Iana: Esse trabalho também é uma celebração da amizade, do encontro. Nós temos interesses em comum e gostamos de estar juntos. Na fotografia é assim, na hora do clique você parece estar muito sozinho, mas o ato de viajar, a discussão depois das fotografias, a montagem da exposição… existe uma interferência, um diálogo muito forte. Por mais solitário que a gente ache o momento da escrita, o momento do clique, muita coisa veio antes e muita coisa vai vir depois. Além dessa troca entre nós participantes, tem a intervenção das pessoas da comunidade. Houve uma oficina de fotografia durante o projeto. Houve muita troca com pessoas de lá, tanto as que foram fotografadas como as que estão ligadas com projetos culturais de Irauçuba. Como agora o público que vai ver. Talvez o fato de ter seis pessoas assinando essa exposição torne evidente que a fotografia também é um ato coletivo por mais solitário que possa parecer.

As pessoas estão saindo do interior. Qual foi o impacto dessa percepção?

Iana: Acho que é algo muito complexo e sem resposta porque eu não posso julgar, sendo eu de fora, se as pessoas devem ficar lá ou não. O que eu acho é que é necessário sim uma série de políticas públicas porque a seca não acontece por acaso. Nós temos esse fenômeno que ele sempre vai acontecer ao longo dos anos e ele vai sim se agravar e depois vai poder ser mais ameno, mas ela sempre vai existir. A seca não é castigo de Deus. A gente escuta muito a história da “indústria da seca”, o quanto tem gente que vai lucrar com isso. Acho que muito mais do que dizer que as pessoas estão indo embora do sertão, a gente tem que se perguntar por que isso acontece e quais são as políticas públicas necessárias para fazer um trabalho de educação ambiental, de uso da terra, de que forma a agricultura pode ser mais sustentável, e da própria existência da água. A gente tem um solo cada vez mais árido. Por mais que a exposição seja poética, que seja uma coisa artística e a gente busque uma narrativa muito mais da imaginação, ela também alerta para a efetivação de uma série de políticas públicas que não são favor, não é concessão, é direito dessas pessoas que estão lá. É fundamental pensar nisso.

Qual a importância de deixar isso registrado? Porque a exposição existe, mas ela circula e o livro fica e tem um documentário.

Iana: A exposição é uma celebração do projeto inteiro. O livro é o lugar da fotografia também. Esse lugar que você pode voltar mais de uma vez, fazer com que circule e esse suporte físico é interessante. Tem também página no Facebook, perfil no Instagram, outras plataformas que vão possibilitar acesso a públicos diferentes. E acho que mais do que algo definitivo é também um convite para as pessoas olharem para o sertão, olharem para o Ceará e olharem para o que elas mesmas estão fotografando. Existe um interesse muito grande por fotografia mas as pessoas estão muito mais fazendo foto do que olhando para o que elas estão fazendo. A exposição é um convite para olhar o que se fotografa, perceber de que forma a gente conta uma história. De que forma estamos construindo uma narrativa que não é só um clique, não é só um celular cheio de fotografias dentro. A fotografia é tão importante no sentido de deixar para o tempo aquela memória que a gente precisa ter um carinho, um cuidado com o que a gente está fotografando. É importante dentro desse “boom” de imagens, dessa overdose, você ter exposição, livros e outros meios que colaborem com essa cultura visual, com a formação de um público que olha e repara.

Serviço

Exposição: Caminho das Abelhas
Onde: Espaço Cultural Correios Fortaleza (ECC – rua Senador Alencar, 38. Centro – Fortaleza)
Abertura: 20 de janeiro, às 16 horas.
Visitação: a partir de 21 de janeiro até 19 de março, das 8 às 17 horas (de segunda a sexta-feira) e das 8 às 12 horas (aos sábados).
Entrada gratuita.

About the Author

Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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