Por Cristina Fontenele

Mais de 20 mil pessoas reunidas em um evento dedicado às mulheres. Imagine que alguns estudos indicam que o feminino fala, em média, vinte mil palavras por dia, em comparação com sete mil pronunciadas pelos homens. Agora calcule a proporção do que ouvi durante quatro dias de encontro. Meu Deus! Senhoras de várias idades no frenesi de palavras, brindes, oficinas, palestras e brincadeiras, e filas e mais filas. Reunidas de “coração para coração”, tema do evento. Confesso que chegando ao local pude perceber claramente qual era o público-alvo, e não era eu. Mas ali estava na missão de ver ao vivo minha diva, a escritora gaúcha Martha Medeiros. Iria até o fim.

coraçãoPor diversos momentos percebi a grandiosidade da estrutura (já trabalhei com eventos e soube que aquele levou dez dias de montagem!), o suor e a quantidade da equipe envolvida (pessoas de amarelo em todo lugar, com a blusa “Posso ajudar?”), diversos estandes de fornecedores movimentados por uma grande logística e o cuidado dos profissionais com aquelas senhorinhas – “Me dê sua mão.”, “Cuidado com a escada rolante.”, “Quer uma água?”, “Onde está sua amiga?”.

Mergulhando naquele mar de mulheres, pude me encantar com o brilho das amizades e da vivacidade que dá banho em muitas das novinhas por aí. Dançavam, pulavam, se divertiam, num expediente de 10 horas contínuas. Ufa! Haja fôlego! Meus pés doíam, então decidi ir somente à tarde para shows e palestras. Mas elas, ah! Elas aguardavam desde cedo a abertura dos portões.

Em um dado momento, já no último dia, ocorreu que um cisco entrou no meu olho. Entre 6.700 histórias escritas para concorrer ao prêmio “A Estrela é Você” (que daria banho de beleza e de loja à ganhadora), dez mulheres foram selecionadas para ter um resumo da vida narrada ali no palco para todos ouvirem. Posso dizer no mínimo corajosas. Expor-se dessa maneira não é para principiantes. Claro que não me contive, fui às lágrimas naquela emoção de reconfirmar o quanto o ser humano é interessante e as mulheres personagens de livros e da vida real. Maravilhei-me sobre o quanto podemos nos reinventar.

Uma das senhoras confessou, deixou a vida de freira para casar com um rapaz que insistente e pacientemente roubou seu coração, até então dedicado ao convento. A plateia riu e eu visualizei a persistência daquele garoto ao frequentar as missas, tentar uma conversa ou duas. Tempo ritmado por outras expectativas. Dosado pela minutagem dos sábios.

Outra vida falava de uma mulher forte que ajuda a várias instituições de apoio a doentes, quando de repente ela mesma se descobriu diagnosticada com a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). Aquela tal doença que mobilizou famosos e anônimos nas redes sociais com a “brincadeira” do balde de gelo (lembra?). Já era o destino ensinando àquela senhora como cuidar e deixar ser cuidada. Sei que aceitar ajuda não é tão simples como imaginamos. Paradoxalmente, às vezes é mais seguro olhar para o outro e dizer “vou te ajudar”. Deixar a vulnerabilidade aflorar é um ato de bravura.

E voltar a estudar após os 60 anos? É uma resiliência para poucos. E eis que umas das histórias falava sobre os desafios entre as gerações e preconceito dentro de sala de aula. Enfrentar essa jornada requer presença de espírito. A sexagenária contou que, não só deu a volta por cima, como acabou reconhecida pelos demais alunos da turma.

E o que dizer de uma mãe que acaba de dar à luz, quando outra mãe deixa os filhos órfãos?! O que fez a sobrevivente? Amamentou os filhos da outra, “de coração para coração”. Teve ainda a que driblou as dificuldades financeiras e hoje é formada com louvor. Outra senhora narrou o amor fraterno cultivado por uma amiga de infância, “Sou Antônia, ela também.”, dizia dedicando as frases à amiga. Uma das que me puxou mais a emoção foi a senhora que nos confessou o dia a dia sem o filho. Saudosa e confiante nos planos maiores do amor, nos contou como percebeu que os laços seguem além, e que o filho estaria ali, presente no evento torcendo por ela.

Dez caminhos diferentes que a vida tomou, mostrando o quanto as mulheres podem ser vitoriosas. E com mais de 70% dos votos, a ganhadora foi morar aos quatorze anos com outra família que não a sua, para cuidar dos filhos de um certo casal. É a “mãe preta”, hoje “Vó preta” como se autointitula. Ela se disse muito amada há mais de vinte anos.

A história premiada me lembrou as milhares de adolescentes-crianças, praticamente criadas enquanto trabalham. Não sei mais detalhes da vida da vencedora, mas sei das meninas que vêm do interior procurando oportunidade, amor, trabalho e realização. Muitas não vingam, inúmeras engravidam ainda jovens, poucas seguem os próprios sonhos, e apenas algumas são estrelas da própria história. Uma espécie de concurso “natural” da vida.

Cristina Fontenele escreve todo dia 5 e dia 20 de cada mês

Conheça a colunista

Jornalista em formação, publicitária, especialista em Marketing e escritora por paixão. Cristina Fontenele atua também como terapeuta renascedora no Clube do Renascimento de Fortaleza. Visite o blog A Fonte.

“Acredito que a Existência é sábia e está ao nosso favor. Desejo que o fluxo da vida continue me levando para as experiências de crescimento e de amor”.

About the Author

Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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