Filme constrói relação conflituosa com espectador (Foto: Divulgação)

Filme constrói relação conflituosa com espectador (Foto: Divulgação)

Três anos depois de mostrar o domínio que tem sobre o terror, a exemplo do remake de A Morte do Demônio (2013), o cineasta uruguaio Fede Alvarez dá mais um passo para se estabelecer no gênero. Em O Homem nas Trevas (Don’t Breath, 2016), segurar o fôlego é palavra de ordem. Apostando na empatia para o jogo moral que propõe, Alvarez cria uma atmosfera claustrofóbica que só os bons títulos do estilo conseguem manter sem perder o tom.

Com o desejo de deixar uma Detroit arruinada para trás como ponto de partida, o roteiro escrito a quatro mãos com Rodo Sayagues, com quem Fede trabalha desde o curta-metragem Ataque de Pánico (2009), desafia um trio de criminosos não muito sofisticados a invadir a casa de um veterano de guerra cego. A premissa é básica e, a julgar pelos nomes escolhidos, o diretor poderia ter caído no lugar-comum, mas disso ele passa longe. A começar por Jane Levy, que se encontrou no gênero após algumas temporadas fazendo comédia na TV aberta norte-americana. Com larga experiência, quem se sobressai é Stephen Lang. De pouquíssimos diálogos, o veterano traduz todo o sentido do filme em um trabalho cênico excepcional. Os jovens Dylan Minnete e Daniel Zovatto completam o elenco principal.

A mão firme do diretor conduz a experiência de quase 90 min de maneira exemplar. A panorâmica que abre o filme é uma das cenas mais assustadoras, mostrando a capacidade destrutiva do Homem Cego já no primeiro plano. E abrir mão disso em um eventual ponto de virada do filme – não que seja algo novo – é escolha acertada para criar o ambiente de tensão crescente. Mas nem só dos macetes do gênero é feito Don’t Breath. Alvarez entende que, para além do talento de contar histórias, o apelo imagético é essencial nesse processo, seja pela fotografia de Pedro Luque ou pelo design de produção de Naaman Marshall. Os planos fechados e ágeis movimentos de câmera, fora a tão bem executada mise-en-scène, também ajudam a formatar esse retrato de maneira forte e realista.

Fio condutor do recorte, o debate moral não escapa no texto atento às circunstâncias. Aqui a dualidade do trio de criminosos, bem como a relação entre luz e escuridão recorrente, é posta à prova desde o começo ao expor os limites e motivações de cada um para a prática. Isso fica mais evidente dado o momento em que o personagem de Lang lança luz sobre seu passado. A construção do Homem Cego, aliás, é de uma delicadeza admirável, contrastando com violência em tela.

Para os bons exemplares do gênero lançados nos últimos anos, como Invocação do Mal (2013) e A Bruxa (2015), O Homem nas Trevas não deve nada. Fluido, despretensioso e com grandes momentos, como a brilhante caçada no escuro, longa traz um vilão com camadas capaz de ressignificar o próprio desenho narrativo e, mais importante, uma experiência conflituosa na construção de laços com o espectador.

Ficha técnica: O Homem nas Trevas (Don’t Breath, 2016, USA). Terror, Suspense. 88 minutos. 14 anos. De Fede Alvarez. Com Stephen Lang, Jane Levy, Dylan Minnete e Daniel Zovatto.

* Originalmente publicado no blog Cinema às 8.

About the Author

Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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