deixa-o-outro-passar-2Repare. Vem um sujeito dirigindo na sua frente, devagar quase parando, testa sua pouca paciência, quando lá pelas tantas escolhe o caminho diferente ao que estava indo. Aí você se pergunta: Por que raios a criatura veio como tartaruga bloqueando o trajeto até aquela bifurcação? Por que apenas não deixou você passar e saiu da frente? Mas assim ocorre no trânsito, assim ocorre na vida.

Não raro insistimos em seguir numa via que não vai nos levar ao destino desejado, enquanto estamos ocupando um espaço precioso e mais útil para um terceiro, de forma deliberada ou não. Pode ser um posto de trabalho (porque não está fácil para ninguém), um local na fila, uma vaga no estacionamento, uma consulta que não vamos, um parceiro que não amamos, até uma amizade que não engrena.

Mas o que poderia acontecer se passássemos adiante o que não tem mais funcionado em nossa vida? O “não te quero, mas não te largo” é poesia de botequim. Mas até o botequim tem suas regras. O apego é dedicado aos garçons e à mesa cativa. Já os pratos e as companhias…

Observando o trânsito, noto ainda outros volantes. Tem a pessoa que não vê nada mais além do próprio carro. Não dá passagem a ninguém e puxa a direção para a direita ou para a esquerda sem a menor cerimônia. É o conhecido “dono da rua”, da razão, da roda de conversa, da vida dos outros.

Conhece o apressadinho? Apesar de toda agilidade, esse perturba. Buzina, corta os demais carros mesmo quando não há espaço, procura sempre uma brecha para tirar vantagem, passa por cima de veículos, buracos e pessoas. Para esse estilo, a vida do outro passa ao largo da sua urgência pessoal.

E o que dizer dos desligados? Aerados, avoantes. Esses seres de outro planeta não dirigem, flutuam, e lá fora mísseis e engarrafamentos desabam no céu de algodão. Seguem em outra galáxia chamada lentidão. São desorientados? Tranquilos? Quem descobrir avisa dez esquinas lá atrás. Mas por favor, criaturas mágicas, mantenham-se à direita da pista.

Os espaçosos também merecem destaque, vivem sob uma ótica diferenciada, dirigindo numa faixa imaginária, a do meio. Lá na frente um carro vai convergir à esquerda e você pensa estar atrás de um caminhão. Ah não, é só um veículo de passageiro que ocupa quase toda a pista para fazer a manobra. Esquece que ali cabem dois carros, dez cavalos, uma avestruz e um papagaio.

Os nervosinhos são um caso à parte. Vivem atraindo confusão no trânsito, em casa, no trabalho. Colecionam alguns acidentes e sempre têm um causo para contar. Vivem no ponto, ponto de bala, do pau e da pedra. Reúnem aventuras que doem no bolso e pesam na lataria do carro. Nesses casos, melhor fazer como um amigo meu, também esquentadinho. Coloca uma música zen e, se algum problema te perseguir, sorria com um “namastê” e um “siga em paz”.

Toda semana cruzo com pelo menos um de cada naipe. Na minha vez de apressadinha, saio cortando caminho e o bom dia. A depender do período do mês, posso ficar avoada ou a nervosinha. Mas em qualquer situação, mantenho a pose e guardo a perda de compostura de vidro fechado.

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About the Author

Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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