Entrevista por Isabel Costa 

Cantor esteve em Fortaleza nesta terça, 31, para Bienal da Une (Foto: José de Holanda)

Cantor esteve em Fortaleza nesta terça, 31, para Bienal da Une (Foto: José de Holanda)

Emicida é uma das vozes mais pulsantes da música nacional. Com uma década de carreira recém-completada, ele segue numa construção de rap que é tão vaidosa quanto contestadora. Seu trabalho de estúdio mais recente, Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa, traz participações importantes como Caetano Veloso e Vanessa da Mata. Em dezembro último ele lançou o vídeo de Mandume, canção que reúne Drik Barbosa, Amiri, Rico Dalasam, Muzzike e Raphao Alaafin.

Leia a entrevista na íntegra.

Com a visibilidade que você passou a ter em 2013, aumentou a responsabilidade com teu discurso de contestação?

Eu não fico viajando muito nessa parada de visibilidade midiática, que talvez seja ao que você se refira quando fala de 2013, a única análise que costumo fazer é se as pessoas que escutam minha música tem captado a maior parte do que tento dizer, isso para mim é o mais importante. Sempre fui responsável com minha caneta, sou vaidoso com isso e não acho que meu discurso seja unicamente de contestação. Sou um organismo vivo, lutando por liberdade, liberdade inclusive para contestar as coisas com as quais não concordo e é ai que entra essa parte que vocês compreendem mais fácil, que é a do rap reclamão.

emicida-reporter-entre-linhasApesar de denunciar o preconceito que existe historicamente, você opta por fazer shows alegres. Por que é importante celebrar em tempos tão árduos?

Ja dizia o grande joãozinho 30, quem gosta de miséria é intelectual, pobre gosta de luxo e fartura. Inclusive de sentimentos bons, tudo o que gritamos pro mundo é sobre sentir-se vivo, sentir-se pleno, livre, maior, a força da vida é algo fascinante e acredito que no final ela sempre vence.

Hoje, o Brasil, a população negra tem motivos para comemorar? O que ainda é necessário fazer?

Tudo é relativo, estar vivo é um motivo pra comemorar, mas ainda temos um longo caminho até a liberdade, como já dizia Mandela. Se você estiver falando do ponto de vista da igualdade racial, temos muito a fazer em todos os campos, estamos em 2017 e ainda precisamos gritar que temos o direito de viver, sabe? coisas que deveriam ser óbvias, mas infelizmente não são ainda no Brasil. Acredito em muita gente que me inspira e me faz acreditar, acho o povo Brasileiro um monstro que não sabe da sua força, fica preso nas ideia da mídia e olha no espelho se sentido pequeno infelizmente.

Temos vivido um tempo de libertação para a estética afro – em especial dos cabelos, que foram oprimidos e alisados por tanto tempo. O quanto essa mobilização é importante?

De repente as pessoas cansaram, na verdade nem tão de repente assim, tudo isso é fruto de uma construção. Esse levante, do cabelo crespo, nos dois sentidos da palavra é para mim algo muito significativo, algo que me faz crer que a chave para se construir um mundo melhor está em lugares como o Brasil. Nos estados Unidos as mina adora peruca, aqui vejo uma luta séria para que os cabelos crespos resistam e sejam reverenciados em toda a sua grandeza. Os padrões de beleza mutilam a auto estima das pessoas dia após dia, transformam a vida principalmente das mulheres pretas, em um fardo muito difícil de carregar. As consequências de ser diferente daquilo que o mundo considera bonito pode ser agressiva, pesada. Essa reação da estética afro, é um cruzado bem no meio da fuça desse mundo do entretenimento que só tem diversidade no discurso, na hora da prática sabemos que é completamente diferente.

Na música Amoras você trata sobre o reconhecimento da sua filha em relação a própria negritude. Você acredita que ela vai viver em um país onde poderá ter o cabelo que quiser e se vestir como quiser?

A gente já vive nesse mundo, o problema é que existem ainda muitas pessoas que não se deram conta disso. Então ao encontrar uma pessoa de cabelo crespo, pele preta se sentindo bonita e feliz o covarde racista se sente ofendido, pois em algum lugar ele odeia a si próprio. Então a forma que ele tem para se auto afirmar é agredindo alguém, física ou virtualmente, mas o tempo do silencio esta acabando e todo o barulho que temos gerado vai colocar esses idiotas em seus lugares, que é no passado. Essa poesia em especial, para mim, é a coisa mais profunda que eu já escrevi sobre racismo, as pessoas se impressionam com Mandume e boa esperança pela quantidade de socos que ambas contém, mas a chave para a mudança está livre e sorridente na amoras, se chegarmos cedo na vida das nossas pretinhas e conseguirmos manter aquela aura, a vitória é certa, precisamos parar de chegar atrasados na vida de quem carece da nossa poesia.

O processo da música Mandume envolveu uma viagem para a África, o trabalho de diversos artistas e um resultado final muito elogiado. O que mais te toca nessa canção?

Mandume é a força da nossa resistência, um som de 8 minutos, poesia profunda, ninguém facilitou ali não. Todo mundo veio de corpo e alma, por isso o resultado foi tão forte. Poder cantar o que está dentro do nosso peito a tantos anos é libertador. Várias perspectivas, muitas vozes, na musica e no clipe. Quando algo como isso acontece, embora seja musica, seja entretenimento em alguma estancia, aquilo acaba se transformando em algo maior e o mundo abre espaço para esse ação majestosa desfilar, é uma força da natureza.

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About the Author

Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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