(Foto: Dovilé Babraviciuté)

Já são 23 anos desde que a banda pernambucana Nação Zumbi surgiu com Chico Science e o álbum Da Lama ao Caos. O registro entrou para a história da música brasileira, seguido do sucessor Afrociberdelia (1996), estabelecendo o manguebeat como gênero. Após 10 discos lançados, a Nação entrega Radiola NZ, composto de versões pessoais de músicas que marcaram a trajetória do grupo.

O disco conta com releituras de Gilberto Gil, Tim Maia, Secos & Molhados – na ótima parceria com Ney Matogrosso, Roberto Carlos, e uma versão surpreendente de Marvin Gaye. Para fechar o Radiola, o grupo escolheu “Ashes to Ashes”, lançada pelo imortal David Bowie no álbum Scary Monsters (and Super Creeps), de 1980.

A música de Bowie, aliás, reflete um momento importante para o grupo, segundo o guitarrista Lúcio Maia. Ele destaca que, aos 26 anos de banda, é preciso representar a época em que a banda despontou. “Não é que seja saudosismo ou repetição de padrão. É muito mais uma releitura com a nossa visão, demonstrando que é essa a nossa maneira de se expressar”, pondera. Jorge Du Peixe (voz), Dengue (baixo), Pupillo (bateria), Toca Ogan (percussão) e Da Lua e Tom Rocha (afaias) completam a atual formação do icônico grupo.

Disponível em todas as plataformas digitais, Radiola foi lançado pelo selo Babel Sunset. Lúcio Maia comentou as 10 faixas do disco, relembrando não apenas o processo de produção do Radiola NZ, mas a relação do álbum com o Rock in Rio – festival que a Nação tocou neste ano – e como esses nomes foram presentes nessas mais de duas décadas.

Faixa a faixa: Radiola NZ (2017) – Nação Zumbi
Por Lúcio Maia

Refazenda, de Gilberto Gil, foi uma sugestão acho que partiu de Pupilo. Por coincidência, a gente acabou fazendo no mesmo instante em que o Gil tá relembrando o Refavela. Refazenda pra gente tem uma característica muito musical, incrível, porque em termos técnicos o Gil criou um acorde único pra canção. Ela tem uma ondulação, assim, ela modula do tom maior para o menor apenas com a melodia da voz. Foi muito incrível esse momento que a gente descobriu isso. O Gil é um gênio vivo, uma lenda viva. Com todo respeito que a gente tem por ele, por todas as coisas que a gente já fez juntos também, já era mais que uma obrigação nossa gravar alguma coisa do Gil”.

Balanço, de Tim Maia, é um clássico absoluto entre a banda. Eu lembro da gente ouvir muito esse disco do Tim, um dos primeiros dele. Da época ainda lá de Santa Tereza, Afrociberdelia, em 1996. Tim Maia e Jorge Ben era um bom dia e um boa noite pra gente que morava lá no Rio de Janeiro. Balanço sempre foi um grande hit pra gente. Quase ponto certo que a gente ia gravar. Ela já estava no repertório muito tempo antes do disco existir”.

“O Amor foi o seguinte, cara. Partiu tudo em 2015 quando a gente participou do show do Lenine no Rock in Rio. O Zé Ricardo (curador do palco Sunset) cantou a bola pra gente naquela época: próximo Rock in Rio vocês vão fazer com o Ney Matogrosso. E a gente: uau! No final do ano passado a gente entrou no estúdio da Red Bull, aqui em São Paulo, com o Ney e a gente decidiu regravar Amor porque o repertório que foi decidido pra esse show do Rock in Rio seria Secos & Molhados e Nação Zumbi. Quando pintou a oportunidade de gravar uma música junto com ele pra promoção do festival foi meio que uma unanimidade. Todo mundo escolheu Amor. O Ney também opinou bastante. A gente falou pra eles que tava gravando um disco de versões. E quando a gente terminou de gravar essa música, tanto o Ney como o Zé Ricardo falaram que se a gente quisesse colocá-la no disco seria um prazer. E pra gente também foi um grande prazer”.

Não Há Dinheiro é uma canção muito antiga, do Roberto Carlos, da fase soul dele. Quando ele teve contato com o Tim Maia. É uma das versões mais legais, que eu mais curti fazer. Basicamente, não tem percussão nenhuma, então ela quebra todos os paradigmas da Nação Zumbi. Acho que Jorge tá muito bem na voz. A gente tentou fazer um funk abrazucado, que tem a participação do Maurício Fleury, que tocou em várias canções desse disco, mais da metade. O Fleury é tecladista do Bexiga 70, toca com a Gal Costa. Uma felicidade geral o resultado dela porque era um desafio pra gente fazer essa releitura. Sem contar o sample dela, né? Foi basicamente uma obrigação samplear”.

Do Nothing, do Specials, é uma balada dessa geração ska inglês ali do final dos anos 70 com atitude punk. Specials foi uma das bandas seminais mais importantes da história. É uma balada muito bonita, que tem toda aquela linguagem um tanto quanto niilista, sabe? Fala muito da geração que era alienada, que não fazia nada, violenta. O Specials sempre criticou esse life style inglês. Tentamos fazer uma balada com a nossa característica. Não somos uma banda de ska e muito menos a gente tava pensando em copiar formatos. Fizemos do nosso jeito. Permaneceu uma balada ainda, porém com um corpo bem sólido, com as guitarras fazendo papel percussivo”.

Dois Animais foi muito inusitada. Escolhemos dentro do estúdio. Tipo, ‘gravamos uma do Roberto, não seria legal a gente fazer uma do Erasmo?’ (Risos). A gente quis fugir do cliché e o Pupillo mostrou essa música. Ela soava meio estranha pra gente no início e quando tentamos fazer a versão, foi uma das que mais puxou pro lado Nação Zumbi, da forma de se comunicar, do que as outras canções que a gente teve um certo cuidado de não perder tanto o vínculo com o artista principal. Essa sim é uma música que deu uma entortada, no sentido do arranjo, sabe? Não foi uma coisa proposital. Ela simplesmente aconteceu dessa forma. O disco inteiro aconteceu de um jeito muito espontâneo. Para mim, ela soa com uma pegada meio final dos anos 70, começo dos anos 80. Teve a participação do Carlos Trilha, que virou um parceiro muito grande da gente na construção desse disco, e também na finalização. Mesmo finalizado, o Trilha foi um cara que se envolveu muito. Foi muito importante nesse processo”.

Tomorrow Never Knows é uma música muito antiga no nosso repertório. A gente já toca ela há mais de 15 anos, a gente costumava fazer intervenção em programas de TV. Sempre tivemos essa música na manga como um cover que a gente pirava muito. Tinha alguns covers que a gente sempre tocou ao longo da vida. Daí foi, basicamente, ‘vamo ali no arquivo buscar’. Ela tem esse caráter bem psicodélico, bem a nossa visão abrazucada da psicodelia no sentido mais literal possível. As percussões têm uma cadência meio baque de maracatu (faz o batuque com a voz). Era uma coisa super cadenciada, voltada pra esse setor mais psicodélico da rítmica”.

Nação e Ney Matogrosso, em estúdio, gravando “Amor”, de Secos & Molhados (Foto: Olivia Leite)

“Puts, Sexual Healing foi o desafio de todos os desafios. Além de ser um grande clássico, é uma canção linda e imexível. Praticamente sacrilégio tentar fazer versão dessa música. A auto-crítica tava no talo, sabe? Volume 10. A gente tentou, ao máximo, criar nossa visão de um jeito respeitoso e ao mesmo tempo puxar pra nossa identidade. A gente curtiu muito o resultado, a gente ficou feliz. Achei que representou Nação Zumbi em sua essência, de forma respeitosa, e virou meio que uma levada de guitarras, violões e percussões. Não tem bateria. A gente fez meio que uma levadona bem praiana, sabe? Enfim, Sexual Healing. Marvin Gaye“.

“E pra finalizar, o todo poderoso, magnífico, gênio da música: David Bowie. A gente já vinha flertando com várias canções dele. A gente já tinha feito o cover, no passado, de China Girl. Só que a gente decidiu regravar Ashes to Ashes porque Jorge tinha uma identificação muito forte com essa letra. Pra gente valeu muito mais a pena ter investido em uma música em que Jorge tava super à vontade pra cantar, sabe? Ele tá muito bem nessa música, exatamente por isso. Talvez melhor que todas as outras porque houve uma identificação muito forte. Em Refazenda também ele falou que tava se sentindo bem à vontade. O disco inteiro, esse é o melhor dele, sem dúvida. Em Ashes to Ashes ele se supera dentro do seu histórico vocal. É uma música difícil de cantar. Todo cantor sabe que é um desafio. A gente só teve o trabalho de acompanhar ele, o que não foi muito bem um trabalho, né? Foi mais uma curtição”.

About the Author

Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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