(Foto: Wilmore Oliveira)

“Tô em casa, tá um dia lindo em Vitória”. É com essa leveza que o capixaba Silva, de 30 anos recém-completados, atende a imprensa por telefone. Leveza essa que preenche seu quarto álbum autoral: Brasileiro. Nesta sexta, 20, e sábado, 21, ele traz a turnê inédita ao palco do Theatro Via Sul, em Fortaleza.

São seis anos desde seu primeiro álbum, Claridão. De lá pra cá, vieram o elogiado Vista Pro Mar (2014), Júpiter (2015) e o disco de releituras Silva Canta Marisa (2016). O registro rendeu duas indicações ao Grammy Latino.

Brasileiro traz participação da estrela pop Anitta em “Fica Tudo Bem”, segundo single do disco. Ele divide a autoria com o irmão Lucas Silva, seu principal parceiro criativo. Eles escreveram sete das 13 faixas do disco. Há ainda composição a quatro mãos com Arnaldo Antunes Ronaldo Bastos, além de uma faixa assinada pelo compositor Dé Santos.

Em entrevista ao Blog Repórter Entre Linhas, Silva fala sobre o discurso esperançoso do Brasileiro, a necessidade ser leve em tempos de crise e política. “Ser leve é um esforço que a gente faz. É muito mais fácil cair na angústia do momento”, diz. Leia entrevista completa.

(Foto: Wilmore Oliveira)

Como tá sendo a estrada após o lançamento do álbum Brasileiro?

Tô amando muito, tô muito feliz com a repercussão do disco. Acho que as pessoas entenderam o recado do disco de uma forma muito legal. Interpretação é uma coisa muito complexa. Cada um interpreta de um jeito. As pessoas levaram de um lado positivo, como eu queria. É um disco leve, e eu tava preparado pra ser questionado por isso. Porque um disco leve nesse momento, sabe? Isso me tem feito muito bem.

É a primeira vez que faço quatro sessões lotadas e o público cantando tudo. Isso foi no Rio de Janeiro, nesse fim de semana (de 6 a 8 de julho). Esse show tá tipo um coral e isso nunca tinha acontecido comigo. Para mim, como musico, é uma experiência gratificante.

Por que você quis fazer diferente com o Brasileiro?

Tem uma coisa que eu gosto de propor, que é mudar. A parte boa de não ser uma banda… Quando você está em um grupo, pra passar um discurso é preciso alinhar. É mais trabalho. Ser artista solo tem essa mobilidade e é legal mudar. Eu enjoo muito fácil das coisas. Eu não consigo me imaginar tocando as mesmas músicas por 20 anos. Posso até tocar, mas vou mudar alguma coisa, vou levar pra outro lado. Cada disco é um mundo, é como se fosse um filho. Sei que é bem clichê, mas é verdade. Cada um tem uma personalidade. Eu, por exemplo, sou completamente diferente dos meus irmãos. Os trabalhos são criações que saem do momento que a gente tá vivendo. Sou muito autobiográfico. Eu tô numa fase boa comigo. Acabei de fazer 30 anos. Estou mais seguro de mim. Eu tinha uma timidez absurda, tinha medo do palco, medo de errar. Eu me cobrava muito. Hoje tô sem medo de errar e isso deixa tudo mais leve.

E no processo dos discos anteriores, o que o palco te ensinou?

Ótima pergunta! O palco me ensinou muita coisa porque você está diante de um público. As pessoas saíram de casa pra te ver, mas também tem gente que vai pra ver qual é a do artista. É um lugar que você se encontra exposto. Você se expõe demais. Eu faço show desde 2012. Aprendi que quanto mais natural você for, ser você mesmo, mais dá vontade em fazer. Isso eu aprendi para mim, deixar essa naturalidade fluir na hora do show. As pessoas entendem que você é verdadeiro. Esse exercício da sinceridade, da naturalidade, do momento, é uma coisa que eu tô aprendendo. Tem muita coisa pra gente aprender ainda. Quero cantar melhor do que já canto. Isso me deixa empolgado. Não sou obcecado com fama, sou obcecado com música. Quero cantar melhor, quero tocar melhor, ser melhor no palco. Acho que tô evoluindo e tô atento. Tô feliz que tô conseguindo. Eu passava mal antes de show por causa do medo do palco. Tô muito feliz que me livrei disso, sabe? A maturidade traz isso. É uma coisa que sempre corri atrás. Faço terapia há muitos anos. Não abro mão porque a cabeça é o mais importante.

E o que você anda ouvindo?

Tô ouvindo tanta coisa. Moacir Santos, tô gostando muito de sopro, nunca gostei tanto como agora. João Donato sempre ouço, me deixa bem. É tropical, tem uma batida meio afro, meio caribe. Tô ouvindo umas coisas antigas da Joyce (cantora que despontou no final dos anos 1960). O primeiro disco dela é muito bonito. E gosto muto de reggae, lá do começo dos anos 70. Antes do reggae virar reggae. Combina com a música brasileira. Tenho vontade ainda de fazer coisas assim.

(Foto: Wilmore Oliveira)

Nesse momento de efervescência política, social e econômica do Brasil, quando muitos artistas estão escolhendo se posicionar politicamente, por que a sua música precisa carregar essa leveza?

Como músico ou qualquer pessoa que trabalha com criação, a gente pode escolher vários caminhos. Esse caminho pode ser entediar as pessoas com seu próprio tédio. Sou um cara extremamente tranquilo, na vida mesmo. Sorrio fácil. Pra me fazer brigar, você tem que querer muito brigar comigo. Sou desse jeito e não acho que é porque a gente tá nesse momento difícil que eu vou fingir que sou o cara que briga com todo mundo. Sou muito positivista, tento não ser pessimista.

No meio disso tudo, ser leve é um esforço?

Ser leve é um esforço que a gente faz. É muito mais fácil a gente cair na angústia do momento. Eu acompanho muito as coisas. Meus melhores amigos são super engajados e explicam coisas que eu não entendo, coisas que quem tá fora da academia não entende. Eu sei como o negócio é complexo e eu me importo com isso. Me peguei numa época ficando muito angustiado com essas questões. Eu sou alegre, gosto de dias ensolarados, de praia e falar de amor. Cada um tem algo a oferecer. É meu jeito de ser. Acho que cada um tem sua coisa. Eu quero que a minha música faça sentido daqui há 10 anos. É importante para mim. Então, meu disco tem críticas de forma sutil. Não vou citar nomes, nem fazer piada com Temer no meio. Tenho minhas convicções políticas. Se me perguntarem, claro que vou responder! Sou mais de esquerda mesmo, não tenho nenhum problema em falar isso. Mas não vou ficar fazendo campanha política na minha música. Se você for de forma sutil, falando com metáfora, de forma bonita, você acaba pegando um público que às vezes nem concorda com você, mas pega sua mensagem. Talvez isso faça mais efeito do que algo escancarado.

Pegando o gancho desse contexto, agora eu te devolvo uma pergunta que você faz no disco: como a gente vai ser brasileiro?

Eu sempre tive uma coisa em ralação ao Brasil. Fui criado numa família simples. Nasci na periferia, em Vitória, fui criado no pé do morro. Minha mãe é professa UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), ela sempre lidou com educação musical. A gente nunca teve muito dinheiro, mas sempre teve conhecimento. Ela sempre pegou no nosso pé com os estudos, pra gente estudar musica, ler. Cresci com essa noção de que o Brasil tem uma diferença social muito grande. Estudei música erudita a vida inteira e nunca gostei desse conceito de música boa ou ruim, e o Brasil é cheio dessas segregações históricas. Do pobre e do rico, do preto e do branco. Isso vem de muito tempo. Sempre achei a separação uma babaquice. O brasileiro tem uma autoestima baixa.

Lembro da Elis (Regina) falando isso nos anos 80: “ó, cuidado com a rádio tocando música gringa”. Isso ela falando lá atrás. Imagina ela vendo como tá hoje. O brasileiro tem essa vida muito vira-lata. A gente tem coisas incríveis aqui, sabe? As pessoas não conhecem a própria cultura. Pergunto pras pessoas da minha idade se elas escutam João Donato, ou João Gilberto, que é gigantesco e da mesma importância, e tem gente que nem conhece. O povo que não conhece a própria cultura é um povo que não se enxerga, não se reconhece e não consegue se gostar.

Pra gente evoluir como nação é preciso se gostar, fazer esse esforço. Não é aquela bobeira de ser nacionalista. É a coisa de se conhecer mesmo. E eu sou muito mais feliz hoje assumindo a minha raiz como músico do que antes, quando eu imitava banda gringa. Porque eu já fiz isso. Também já fui jovem (risos). Vitória é incrível, onde eu moro tem praia. São Paulo é incrível. O Rio é incrível. Fortaleza é incrível. A gente mora num País que é foda. A época que a música brasileira foi mais legal era quando o Brasil era brasileiro pra caramba, nos anos 70 com a Tropicália. Mesmo com as influências de fora. Isso foi reconhecido no mundo inteiro. A gente tá num País que enfrenta crise política como muitos outros países tiveram. Quando a Europa enfrentou a crise, quando os Estados Unidos enfrentaram a crise, a gente tava intacto. Agora fica todo mundo falando que o Brasil é uma droga, mas todo País tem crise. Isso vai passar. O Temer vai passar. Essas pessoas que tão aí no poder fazendo coisas erradas também vão passar. Mas a música tá aí e não vamos deixar a peteca cair. Uma forma boa de ser brasileiro é essa: contribuir pro Brasil melhorar. Quero mostrar para as pessoas que eu sou um músico brasileiro que toco em qualquer lugar, se me chamarem pra tocar em Tóquio eu vou sem nenhum problema. Acredito no poder que a música brasileira tem.

Serviço

Silva faz o show Brasileiro
Quando: sexta-feira, 20, e sábado, 21, às 21 horas
Onde: Theatro Via Sul Fortaleza (avenida Washington Soares, 4335 – Edson Queiroz)
Ingressos: R$ 80 (inteira) e R$ 40 (meia); disponíveis na bilheteria do Theatro ou no site Ingresso Rápido

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About the Author

Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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