(Foto: Antropofagia/Gabriel Marques)

Passava das 19 horas e a Praia dos Crush, como ficou conhecida – e entrou na moda – a Praia do Lido, estava lotada ao som de Lenine, na noite do último sábado, 19. A poucas horas, Duda Beat subiria ao palco para o esperado primeiro show em Fortaleza, na programação do projeto Férias na PI. Daniel Groove e Getúlio Abelha já haviam cantado naquela noite.

A uma esquina dali, foi preciso esperar mais alguns minutos para a entrevista marcada para às 19h30min, no terraço do hotel onde a artista Eduarda Bittencourt (nome de batismo de Duda) estava hospedada. A pernambucana desceu até a recepção para receber a reportagem antes de subir alguns andares até o terraço.

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Usando vermelho e visivelmente ansiosa para encontrar os fortalezenses pela primeira vez, evidenciou duas preocupações. A primeira, com a chuva intensa que abraçou Fortaleza naquela manhã. “Fiquei apreensiva pra saber se iria rolar o show, mas me alertaram: ‘Chove muito e depois passa'”. A segunda era a oportunidade de ver um pouco do show de Lenine, de quem diz ser fã, do palco.

Radicada no Rio de Janeiro, onde mora há 14 anos, Duda se tornou um fenômeno da sofrência pop com o lançamento do álbum Sinto Muito (2018) e, principalmente, o hit “Bixinho”, que já bateu 2 milhões de reproduções nas plataformas digitais. Tudo isso conciliado com a conclusão do curso na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que lhe rendeu título de cientista política e um trabalho sobre a presença da bancada religiosa no legislativo.

Mas o que Duda queria mesmo era ser cantora. Artista de palco. E o que deu essa certeza toda foi uma experiência de 10 dias em total silêncio, em um retiro espiritual. Nove meses após o lançamento de Sinto Muito, Duda Beat virou a referência do momento na chamada música de sofrência e, prestes a estrear no Lollapalooza, tem conquistado os grandes palcos e foi eleita artista revelação pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA).

(Foto: Antropofagia/Gabriel Marques)

Em entrevista ao Blog, Duda Beat fala sobre os desafios de produzir um disco totalmente independente, trajetória até o mundo artístico, próximos lançamentos e o processo para lançar “Chapadinha na Praia”, versão tropical de “High By the Beach”, da novaiorquina Lana Del Rey.

Foram dois anos de muito trabalho para Sinto Muito. Tem um mergulho profundo na sua arte, mas há também um certo preciosismo. Como foi esse processo?

Duda: O disco foi feito em dois anos porque eu precisei trabalhar pra juntar o dinheiro e pagar as coisas. Um disco custa caro, não é barato. Por mais que eu tivesse muitos amigos – eu sou uma pessoa muito afortunada e tenho vários amigos trabalhando comigo, é muito importante que a gente remunere essas pessoas. Então, tive que trabalhar e pagar todo mundo, e por isso a demora do disco. Além de vários outros fatores.

O Tomás Tróia que teve o maior preciosismo e algumas estratégias junto comigo de fazer uns shows antes pra poder ter know-how do palco, essas coisas. A gente não queria se arrepender de nada que tava ali também, então o tempo foi muito importante. Ele sempre falava pra mim: “Duda, as coisas têm que ser sem pressa, vamos fazer sem pressa. A partir do momento que você lançar seu primeiro disco, você vai começar sua carreira de fato. Agora ninguém tá com expectativa sobre você porque ninguém sabe ainda o que vai ser. Vamos fazer com calma”. E aí fomos fazendo com calma e deu esse resultado lindo. Com calma e com muita certeza de que seria brilhante.

Tem uma coisa muito importante que você falou, que é quando a gente trata de música independente, ter que trabalhar pra pagar todo mundo, pagar tudo. Como é esse começo? É um grande desafio?

Duda: Muito. Muito grande. Ainda mais pra mim que cantei um pouco com o Castelo Branco, com a Letícia Novaes (Letrux), mas não tinha isso como a minha carreira. É realmente muito duro esse início. Trabalhava com uma grande amiga minha. Ainda trabalho, na verdade. Quando tô no Rio de bobeira vou lá pintar com ela. Ela pinta paredes, tem uma empresa chamada A Casinha. E eu trabalhava junto com ela pra poder pagar esse disco. Então, tive muita sorte de ter esse emprego. E fazia de tudo. Pintava parede, limpava chão, pra conseguir realizar meu sonho, entendeu? Por isso é tão importante a gente lutar pelas coisas que a gente quer e não desistir porque um dia você é uma coisa e outro dia você é outra. A vida é muto impermanente. E quem luta consegue o que quer, eu tenho certeza.

O nome do disco é um Sinto Muito irônico.

Duda: Também.

Foi tipo: “Não devo satisfação, mas vou dizer aqui tudo o que eu tenho a dizer”? Teve isso?

Duda: Exatamente. Na verdade, o nome do disco foi uma das últimas coisas a pensar. Veio de um grande amigo meu, Louis Caldeira, que é um cara talentosíssimo, muito criativo. Eu tava nesse impasse. O nome do meu disco seria Dub Night Apaixonado Vol.1. E aí o Louis fez assim: “Podia ser Sinto Muito”. Que é o famoso “I’m sorry”. Aí eu falei: “Puts, tudo a ver”. E tem dois significados esse Sinto Muito. Um sinto muito: senti muito e fiz esse disco; e um sinto muito: não te quero mais, agora eu tô em outra. Achei o nome também genial da parte dele. Que bom que eu tive essa pessoa pra me dar essa luz, pra dar esse nome tão lindo a esse disco que tem tudo a ver.

Podcast Fora da Ordem entrevista Duda Beat

Você queria ser médica, virou cientista política e agora vai subir nesse palco enorme aqui na Praia de Iracema. Que história é essa?

Duda: É uma loucura! (Risos) Cheguei no Rio há 14 anos, passei sete anos tentando medicina, eu queria ser anestesista. Lembro que eu tinha um discurso assim: “Ah, eu queria ser anestesista pra curar as pessoas sem elas sentirem dor”. E aí não entrei e minha nota deu pra Ciência Política (CP), e falei: “Bom, vou entrar em CP, a grade é parecida com Direito, qualquer coisa faço Direito”. Na minha família tinha esse negócio de fazer Medicina, Engenharia, Direito. E aí entrei em CP e me apaixonei pelo curso. Puxei umas matérias de Direito, achei chatíssimo. Nada contra advogado, acho uma profissão linda, mas não combinou comigo. E aí, me formei no ano passado em CP.

2018 foi um ano muito feliz pra mim porque me formei na faculdade e lancei meu primeiro disco. E aí, no meio desse processo, fiz um retiro espiritual chamado Vipassana onde eu tive a total certeza de que o que eu queria mesmo era ser cantora. Sempre fui muito exibida, desde criança. Tive essa certeza e peguei isso pra mim. Era um sonho reprimido. Fui na casa de Tomás, que até então era meu amigo. Falei: “Amigo, tô com umas coisas aí que eu rascunhei, vamos ver se presta”. Fui mostrando a ele e ele foi adorando as canções. Entrou nessa comigo e hoje tem esse disco, graças a Deus.

(Foto: Antropofagia/Gabriel Marques)

Pensei que a Ciência Política era coisa de antes.

Duda: Não, não! Eu concluí agora. No início de 2018 eu tava escrevendo a minha monografia, eu fiz artigo sobre evangélicos na política. O nome é “Vote em mim em nome de Deus”. No final do curso eu saí um pouco revoltada sobre esse movimento. Acho que, hoje em dia, uma das coisas a mais em se preocupar não é esquerda ou direita. É a galera da bancada ruralista, da bancada evangélica. Aquela galera ali é bem organizada. Embarquei nisso, me formei em junho. Foi uma formatura muito intimista, uma turma pequena mas que se amava e professores que amavam muito o que faziam na Federal.

E veio o disco. Deu tempo fazer tudo ou foi um começo mais calmo? Você estourou pelo Brasil com o lançamento de “Bixinho”.

Duda: Deu tempo. Eu fazia nas brechas, dei uma adiantada (no artigo) também antes do lançamento. E no final fui escrevendo rapidinho. E ficou lindo.

Você está indo para os grandes palcos. Esteve no Coquetel Molotov em Recife, vi vídeos e achei incrível. Teve o Mada (RN), agora o Férias na PI. E vai para o Lollapalooza. O que passa na sua cabeça quando pensa nisso?

Duda: Nossa, muita coisa. Muita coisa! Tô lembrando disso todo dia porque é muita coisa pra pensar no Lolla. Vai ser um show muito especial para mim, eu quero trazer coisas novas pro palco do Lolla. Espero que dê tudo certo. É um festival muito importante, não desmerecendo os outros, mas é um festival que sempre sonhei estar. Acho que qualquer músico. E ter essa oportunidade com meses de disco lançado é maravilhoso. Espero fazer acontecer naquele palco.

E o convite para o I’ Music?

Duda: Foi de última hora. Fiquei super feliz porque sei o quanto a galera de Fortaleza gosta do meu trabalho. Eu já tava pra vir aqui há muito tempo. Uma das primeiras pessoas que vieram falar comigo no meu Instagram depois que lancei o disco foi a galera daqui de Fortaleza. Já tava rolando um movimento na Internet. Fizeram um evento e já tinha, sei lá, 5 mil pessoas confirmadas. Eu tava louca pra vir e aí quando surgiu essa oportunidade vieram logo duas de uma vez.

https://www.youtube.com/watch?v=Xg_OJJ_YFB4

O disco vai fazer um ano em abril. Você lançou quatro clipes e já tem aí um bocado de música nova na agulha. Sei que tem parceria com Jaloo, Mateus Carrilho. O que mais tá vindo?

Duda: Tá vindo bastante coisa. Tá vindo “Chapadinha na Praia” que é uma versão da Lana Del Rey que tô pleiteando aí pra conseguir a liberação dela, mas se não rolar vou colocar no YouTube a versão de estúdio. Tem também essa música com Mateus Carrilho e Jaloo que é de composição minha e Tomás, que eu não pensei duas vezes em chamar essas duas pessoas que são amigos queridos que tenho a maior admiração do mundo. A música tá linda, linda demais. O nome é “Chega”.

E sai quando?

Duda: Deve sair antes do Lolla, é a minha previsão mas os planos sempre mudam. Não posso dar certeza. Tem outras parcerias que tão vindo por aí, com Illy, uma cantora baiana amiga minha também. “Só eu e você na pista”, o nome da canção. Tem “Corpo em Brasa” com o Romero Ferro, lá da minha terra, um grande amigo também. Tem uma música com Diomedes (Chinaski), um rapper também da minha terra, maravilhoso. Tem uma música vindo aí com o Vitor Isensee, do Braza e do Forfun. Muita coisa vindo aí e 2020 disco novo.

Como está o processo com a música da Lana Del Rey?

Duda: A gente pediu essa liberação pela Sony lá pra junho (de 2018). Não sei, mas acho que o e-mail nunca chegou até ela. E estamos aguardando até agora. Fiz um movimento de Internet, não sei se chegou, tô tentando de toda forma. Se não rolar até o fim deste mês, vou acabar colocando no YouTube a versão de estúdio porque é uma música que merece ir pro mundo já há um tempo. Não vou mais esperar.

About the Author

Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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