Bemti se junta a Daniel Ribeiro e Hugo Bonemer e brinca com metáforas para expor relações em clipe

(Foto: Divulgação)

Toda sensibilidade e potência de era dois“, álbum de estreia do mineiro Bemti, deságuam na música “Eu Te Proíbo de Ter Esse Poder Sobre Mim“, uma ode de reconstrução pós relacionamento tóxico. Cheia de versos afiados como “Eu te proíbo de ver o que eu fiz e julgar o que é bom e é ruim / Eu te amei pra nunca mais” e evidente veia folk, a faixa é, acima de tudo, otimista.

Agora, depois de quase um ano do disco lançado, a canção ganha clipe escrito pelo próprio Bemti com o cineasta Daniel Ribeiro, do clipe de “Flutua” (Johnny Hooker e Liniker) e do longa Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (2014), direção de Bruno Pedroza e produção da Broders. Formado em Audiovisual pela USP, Bemti também assina montagem e direção de arte do vídeo.

No clipe, dois animais de estimação, interpretados por Hugo Bonemer e Bruna Black, se libertam de uma situação de aprisionamento e redescobrem a si e a cidade que os cerca.

Ao Blog, Bemti falou sobre o processo de construção do clipe, a relação com Daniel Ribeiro e o financiamento coletivo para prensar álbum. Fala também sobre como as vivências pessoais e profissionais vertem em um produto musical e audiovisual cheio de significado e extremamente atual. Bemti revela ainda os planos para os próximos meses e a vontade de tocar no Nordeste.

É a segunda vez que o artista conversa com o Blog. A primeira, foi para o podcast Fora da Ordem, gravada em fevereiro deste ano em uma cafeteria em São Paulo. Ao podcast, Bemti detalhou os processos que levaram ao disco e a carreira solo – ele é parte do grupo Falso Coral, que lançou neste ano o álbum Delta.

https://open.spotify.com/episode/0fPyOVgOoL1X5sNFl1xHWu

O clipe “Eu te Proíbo de Ter Esse Poder Sobre Mim” é o mais criativo dos três já lançados pelo álbum “era dois”. Como foi esse processo?

Acho que a “criatividade” é mais uma questão de recursos. Os outros dois clipes, “Gostar de Quem” e “Tango” tinham roteiros bem megalomaníacos no início que foram ficando mais abstratos e menos narrativos pra serem “filmáveis” com os recursos que eu tinha. E nos três clipes eu tive situações de procurar e não conseguir patrocínio para os clipes, mas eu amo demais os dois primeiros e o modo como eles existem.

Esse terceiro só conseguiu ser produzido tão grandiosamente assim porque a produtora, a Broders, abraçou a produção! Eu já tinha trabalhado com eles como editor então foi muito legal voltar com esse projeto embaixo do braço. Desde o começo eu queria que ele fosse mais narrativo e que bom que ele pôde ser assim. Eu tinha uma ideia inicial, fui desenvolvendo com o Daniel Ribeiro e a gente foi recheando de um milhão de subtextos, referências e easter eggs. Quem assistir o clipe prestando muita atenção vai se surpreender.

Você escreveu o roteiro junto com Daniel Ribeiro, que já havia trabalhado no clipe “Flutua”, de Johnny Hoooker. Quando e como você conheceu o Daniel Ribeiro?

O Daniel Ribeiro foi meu veterano de Audiovisual na USP, minha formação lá foi de roteiro e montagem. Eu lembro de chegar na faculdade e ver o poster de um dos primeiros curtas dele, o Café com Leite, no corredor do CTR. A gente viu o curta em aula e me marcou muito saber que tinha um diretor gay que tava se formando ali e fazendo filmes abertamente gays e sendo reconhecido por isso.

Gosto demais do Hoje Eu Quero Voltar Sozinho e do curta que inspirou ele (o Eu Não Quero Voltar Sozinho), e nesse ambiente do Daniel estar sempre trabalhando com amigos meus, fazia muito tempo que eu queria trabalhar com ele! Posso te falar que tô realizando um sonho de faculdade ao lançar um roteiro meu escrito com ele.

E como foi compartilhar a concepção do roteiro com ele?

O Daniel teve ideias muito preciosas para o clipe. Eu tinha essa ideia inicial dos bichos que tão tentando entender qual é o lugar deles sozinhos na cidade e longe dos “donos” que eles tinham (alô, metáfora), mas foi na troca com ele que as coisas foram se ordenando e caindo no lugar.

O pato, por exemplo, é ideia do Daniel e eu acho absolutamente maravilhosa essa figura. Tem subtexto demais nela. Essa criatura com olho de X que tá ali de canto sentindo raiva das pessoas estarem vivendo as vidas delas e se mostrando e se libertando. E que fica esperando confronto, mas no final fica desconcertada quando recebe abertura de diálogo no lugar de confronto.

Hugo Bonemer é protagonista do clipe (Foto: Divulgação)

A letra tem uma forte veia de vivência afetiva. O que inspirou a música?

Nossa… foi um momento de basta! Basta de me arrastar pras pessoas que não me querem ou que estão por perto mas sem querer me ver bem, sejam elas ex-amigos, ex-relacionamentos ou quase-relacionamentos. Essa música veio do mesmo fundo do poço que gerou a primeira metade do “era dois“. É uma turma de músicas que foram definitivas pra eu tomar coragem de ter um projeto solo pra início de conversa. Eu tava longe de superar a inspiração principal dessa música quando eu comecei a escrevê-la, mas foi libertador tomar coragem pra escrever algo “vindo do futuro”, de um lugar em que eu já tinha de fato me livrado do poder dessas pessoas e desses contextos.

Você dirige, escreve e monta seus próprios clipes. Como começou sua experiência com o audiovisual?

Bom, eu sou formado em Audiovisual mas quase fiz Engenharia Ambiental. Acho que sempre amei cinema desde que me entendo por gente. Lembro do ritual muito forte que era alugar filmes com a minha família, mas só fui morar numa cidade que tinha cinema com 14 anos. Acho que ali que a minha cabeça derreteu pra valer com cinema.

O clipe de “Eu te proíbo…” é dirigido pelo Bruno Pedroza, mas eu assinei o roteiro, a montagem e a direção de arte (fazendo direção de arte pra valer pela primeira vez na vida). O “Gostar de Quem” e o “Tango” são co-direções minhas com a Thais Taverna. E o clipe de “Faísca” (da banda Falso Coral com Bemti e Tiê) é 100% meu, direção, produção, montagem, concepção…

Eu tô feliz que o meu trabalho de música está me trazendo de volta ao cinema e à ficção (como essa oportunidade de trabalhar com o Daniel Ribeiro; e coisas do tipo eu ter acabado de fazer três músicas pra uma série de ficção do Canal Brasil). Eu não me vejo abandonando de vez o Audiovisual em nenhum momento da minha vida. Inclusive, é um sonho da vida inteira escrever um longa, e hoje em dia eu acho mais fácil isso acontecer a partir de uma visibilidade como músico. Eu escrevia roteiros de longa com 15 anos de idade…

E qual a importância dessa vivência para dar vida ao “era dois”?

Total, é tudo visual pra mim. Às vezes a imagem vem primeiro do que a música. Semana passada eu fiz uma música nova (que com certeza estará no segundo disco porque eu tô muito empolgado com ela) e o ponto de partida dela foi imaginar um clipe meio Dançando no Escuro só que no Brasil e com a Adriana Esteves no lugar da Björk. E aí a música veio já quase inteira, foi mágico.

Em agosto próximo, o álbum irá completar um ano. Como você avalia a trajetória do disco?

Pensando no escopo de artista independente, sem selo, sem gravadora e sem marca, foi uma trajetória sensacional! Minhas músicas acabaram de passar juntas 750 mil plays só no Spotify! É muito play! E esse clipe veio pra dar um gás nesse final de primeiro ano, são poucas horas de vida e já tô empolgado com quantas pessoas novas ele já atingiu. Eu só queria ter feito mais shows do disco, porque foi um show preparado muito minuciosamente, com projeções, etc e eu tive algumas apresentações esgotadas em SP com críticas muito legais, mas aí o programador do festival X ou do Sesc Y não me chama porque não me dá essa confiança. Nessa hora faz falta ter selo, gravadora ou ser de uma família já influente na música etc.

Bruna Black é uma das protagonistas do clipe (Foto: Divulgação)

Você abriu financiamento coletivo para dar continuidade do “era dois” nos palcos e para prensar o álbum depois de quase um ano do lançamento. Por que só agora?

Basicamente porque o disco do Falso Coral que saiu em maio desse ano foi viabilizado por crowdfunding feito ano passado antes do meu disco sair e as recompensas só começaram a ser entregues agora que o disco saiu. Os processos do Falso Coral sempre tiveram seus tempos próprios, mas de qualquer forma eu precisaria concluir esse processo antes de aparecer de novo pra quem me conhece com outro crowdfunding na agulha, mesmo que esse seja o primeiro que eu faço pro meu projeto solo.

Quais os próximos planos do Bemti?

Bom, pensando neste ano e no próximo, vou tocar em pelo menos três festivais muito legais. Um já tá anunciado que é o Bananada (acontece em agosto, em Goiânia). Espero que o clipe novo e essa movimentação desses shows faça com que mais shows venham porque ainda quero tocar muito esse disco, por mais que eu já esteja pensando muito concretamente no segundo disco pra algum momento do ano que vem.

Quero demais tocar no Nordeste! Fortaleza é a cidade que mais me escuta no Nordeste e toda semana tem alguém pedindo show em Fortaleza. Não há a possibilidade de eu encerrar o ciclo desse disco sem fazer pelo menos um show no Nordeste, nem que seja voz e viola. E ainda quero lançar pelo menos dois clipes do “era dois”. E conseguir me sustentar só com música seria legal também.

Hugo Bonemer e Lucas Silvestre (Foto: Divulgação)

About the Author

Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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