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Um campinho em Penedo, região leste de Alagoas, era o refúgio de um garoto de nove anos que se desesperava ao ver o pai alcoólatra chegar em casa e agredir a mãe e a irmã. Revoltado, o pequeno Mario Sérgio buscava na rua – muitas vezes com más companhias numa das regiões mais violentas do Brasil – algum alento para o sofrimento em casa. A raiva também fazia com que as brigas e expulsões de escolas fossem comuns, mas era preciso defender a honra do pai, sempre ofendido e humilhado pelos colegas.

O gosto pelo futebol chegou neste turbilhão e num raro momento de lucidez, o pai de Marinho resolveu colocá-lo na escolinha do Penedense. Era preciso pagar 15 reais por mês. O garoto se recusou. Ele não queria que a mãe gastasse o pouco que tinha, já que o dinheiro do pai era gasto apenas com o vício. Ainda assim, Dona Eliane fez um esforço e sem que o filho soubesse adiantou o primeiro mês ao clube. Outro obstáculo relevante apareceu: só com chuteiras era possível treinar. Marinho então resolveu o problema vendendo um passarinho de estimação para comprar o calçado que o ajudaria a mudar a sua vida e de sua família.

Dali em diante a história é de um andarilho da bola, alguém que 10 em 10 pessoas em Penedo poderiam jurar que se tornaria um bandido. Mas não. Marinho é um sobrevivente, ao contrário daquelas más companhias do campinho que morreram por causa do tráfico de drogas e da violência do esquecido interior nordestino brasileiro.

Do sub-20 do Penedense, que ele jogava com apenas 16 anos, para o Corinthians de Alagoas – por onde já passaram Deco, Luiz Gustavo e Pepe – não demorou. Foi numa derrota do seu time por 21×1 – você não leu errado – que o convite ocorreu. Marinho, então meio-campista – marcou o gol de honra e chamou a atenção da equipe da capital. No Corinthians de Alagoas, já disputando a Copa Nordeste sub-20, um olheiro do Santos fez o convite da mudança. O técnico do Peixe o aprovou e conseguiu que a diretoria oferecesse um contrato de seis meses, mas Marinho não aceitou por achar curto o tempo de compromisso.

Sem avisar ninguém no Santos fugiu para o Rio de Janeiro após um convite do ex-jogador e empresário Bismarck. O destino era o Vasco, mas Marinho não gostou do estilo de jogo dos futuros colegas – só bolas áreas e força física – e foi parar no Fluminense. No tricolor se destacou no sub-20 com título carioca e com boas atuações no profissional sob o comando de Renato Gaúcho, mas o clube se recusou a pagar 10 mil reais mensais que ele pedia por um novo contrato profissional.

Com proposta do Internacional, Marinho entrou na justiça para ser liberado, mas perdeu a causa e esperou oito meses para assinar com o colorado por cinco anos. Sem chance no Inter por opção do técnico Tite, Marinho foi emprestado diversas vezes até 2013. Passou por Caxias, Ituano, Paraná e Goiás. Livre do compromisso, chegou ao Náutico em 2014, mas cinco contusões musculares atrasaram sua evolução. O clube pernambucano precisou mandá-lo ao departamento médico do Corinthians para um tratamento específico que foi feito durante a Copa do Mundo do Brasil e que permitiu um bom segundo semestre pelo Náutico.

Para vir ao Ceará indicado por Dado Cavalcanti, Marinho, que aos 24 anos passa o tempo na concentração vendo vídeos de Robben e Ribery, pediu informações ao goleiro Luis Carlos, ex-companheiro de Paraná Clube e recusou Vasco, Red Bull, Fortaleza e mais umas cinco equipes que disputaram o Paulistão. Não chegou como titular, mas em pouco tempo se tornou ídolo da torcida, fundamental nas campanhas que colocaram o time nas finais da Copa do Nordeste e do estadual.

O sucesso, entretanto, chegou bem antes,  quando Marinho ganhou a chance de ajudar Dona Eliane e a família com seu trabalho. Ou quando conseguiu ver seu pai livre da bebida e firme ajudando outras pessoas a saírem do vício.

 

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Fernando Graziani

Fernando Graziani é jornalista. Cobriu três Copas do Mundo, Copa das Confederações, duas Olimpíadas e mais centenas de campeonatos. No Blog, privilegia análise do futebol cearense e nordestino.

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