Um grande ídolo do Ceará das décadas de 50 e 60 morreu na noite desta terça-feira, 24 de maio, em Fortaleza. Aos 82 anos, Alexandre Nepomuceno (na foto do acervo pessoal, no centro, de bigode) estava em coma desde a Semana Santa deste ano após sofrer uma queda que o fez bater a cabeça. Ele era zagueiro dos bons e brilhou com a camisa do Alvinegro. Além das atuações brilhantes, foi capitão da equipe por oito anos, é o terceiro jogador com mais partidas na história do clube (447) e conquistou cinco títulos estaduais e um do Norte-Nordeste. Cobiçado por importantes clubes do Brasil, chegou a recusar o Santos de Pelé.

Ele deixa, além da esposa, Maria Nilce Mendes Nepomuceno, cinco filhos, oito netos, quatro bisnetos e uma história que não pode ser esquecida. Aproveito para reproduzir, com a devida autorização, alguns trechos de texto de Pedro Mapurunga, Diretor de Cultura, Biblioteca e Documentação do Ceará, que conhece bastante sobre o “Filé da Gia”, alcunha que Alexandre carregava.

Obrigado, Capitão

Fidelidade a um único clube é algo cada vez mais raro no futebol, mas não para Alexandre Silvério Nepomuceno, um cearense nascido no município de Aracati no dia 26 de dezembro de 1934. Alexandre passou parte da sua infância na cidade que nascera, mas aos 14 anos, em 1949, passou a viver na capital.

Alexandre era bem mais alto que a média dos adolescentes da sua idade, atingiria a marca de 1,86m na fase adulta, mas sempre fora muito esbelto, franzino e recebera o apelido de “Filé de Gia” por tais características, para quem não é do Nordeste: gia é uma rã maior que as demais.

Com essa aproximação com o clube, não demorou para receber uma oportunidade nas categorias de base, aos 16 anos, jogando pelo infantil do Vozão. Pelo porte, inteligência e temperamento, em pouco tempo foi colocado para jogar na defesa alvinegra. Com um talento descomunal, logo chamou a atenção do treinador das categorias de base, Ivonísio Mosca de Carvalho, que passou a contar com o vigor de Alexandre para o futuro do time alvinegro.

Mas os planos do futuro capitão preto e branco foram cessados por alguns meses, Seu Antônio Silvério, pai de Alexandre, não queria que seu filho fosse jogador de futebol. Mas o talento e o amor pelo esporte falaram mais alto e logo o imberbe garoto estava de volta aos gramados de Porangabuçu, desta ocasião para de uma vez por todas, rumando a imortalidade. O responsável pela volta de Alexandre para a base, do Mais Querido clube cearense foi o então diretor alvinegro Altamir Espindola, que foi até a casa de Alexandre e encheu a cabeça do garoto de sonhos. Foi em uma das visitas de sua mãe, que nosso grande zagueiro abriu o coração para aquela que lhe pôs ao mundo e disse que iria em busca de seu sonho, que era vestir a camiseta alvinegra. Aos prantos, a genitora de Alexandre sentiu que aquele seria o caminho da felicidade do seu amado filho.

As três primeiras temporadas de Alexandre como profissional foram de um certo ponto frustrantes, ou seja, sem títulos. O Ceará não conseguiu sagra-se campeão em 1954, 1955 e 1956. O primeiro título viria apenas em 1957, aos 22 anos. Já maduro e capitão, a primeira conquista parece ter vindo no momento ideal da carreira de Alexandre. A conquista de 1957 tirou um peso das costas do Capitão, o título não ia para o time alvinegro havia seis duros anos, o triunfo trouxe leveza ao time, que ainda não atingiria seu auge. Veio o ano de 1958, e o Ceará contrataria aquele que seria o melhor amigo de Alexandre Nepomuceno dentro do mundo do mundo do futebol: o lateral direito William Pontes. Juntos, viveram no Ceará uma época de “Ouro” e muitos títulos viriam. O resultado não foi outro, Vovô bicampeão.

O ano de 1959 foi marcante para a vida de Alexandre. País de dimensões continentais, o Brasil era uma nação muito mais longínqua na década de 1950, poucas estradas asfaltadas, comunicação extremamente dificultosa e lentidão entre cidades e estados. Fatores estes que nos fazem imaginar o quão valorizado era, a vinda de um time do eixo Rio-São Paulo para jogar em terras de José de Alencar. Em uma de suas excursões, o Santos Futebol Clube, time do já campeão mundial Pelé, veio jogar um amistoso contra o Fortaleza Esporte Clube no dia 18 de julho de 1959. Como era de praxe na época, amistosos contra times importantes, os três maiores clubes do Estado – Ceará, Fortaleza e Ferroviário – uniam as forças para tentar derrotar o opulento oponente, era uma espécie de Seleção Cearense. Como Alexandre já era o melhor zagueiro que este Estado já produzira até então, foi reforçar o time tricolor no embate contra o time do Rei do futebol.

O Santos Futebol Clube acabara de retornar ao país de uma excursão à Europa, onde menos de um mês antes da peleja frente ao Combinado Cearense, o time santista vencera o Barcelona em pleno Camp Nou por nada menos que 5 x 1 e três dias antes também vencera a poderosíssima Internazionale de Milão por 7 x 1 em Valência. O amistoso contra o selecionado cearense trajado de Fortaleza Esporte Clube terminou 2 x 2. Alexandre, que foi o responsável por marcar Pelé, teve uma das melhores atuações que um zagueiro poderia ter dentro das quatro linhas. Empatar com aquelas lendas vivas, envergados de branco, havia sido uma situação fora de cogitação. Pelé estava no auge de sua carreira, ressalto que no dia 02 de agosto – apenas 15 dias depois do amistoso na capital cearense – o Santos enfrentou o Juventus paulistano na rua Javarí, e foi neste dia que Pelé marcou o gol mais bonito de sua carreira, tento este, que foi dito, visto e falado por tantas vezes.

A atuação de Alexandre nesta partida não passou despercebida. A diretoria santista não demorou e mandou uma proposta irrecusável ao Ceará para a contratação de seu capitão. Mesmo com valores longe da atual realidade, era muito dinheiro para um jogador que atuava no futebol cearense. Mais do que os vinténs que recebia de salário todos os meses, era a oportunidade de ir para um dos melhores time do mundo jogar ao lado do melhor jogador da história do futebol.

Logo a notícia se espalhou, os torcedores alvinegros ficaram temorosos em perder seu capitão, invadiram a sede de Carlos de Alencar Pinto e em meio a gritos, pediam a permanência de Alexandre. O time estava no meio da disputa pelo tricampeonato cearense em 1959, e em uma atitude que apenas os devotos alvinegros entenderiam, Alexandre recusa a proposta e fica no clube que lhe revelou. O fato mais marcante de toda essa história, é que, com a recusa do defensor cearense, o Santos contratou o zagueiro do São Paulo, Mauro Ramos de Oliveira (homem de quatro copas do mundo, 1950, 1954, 1958 e 1962), que viria a ser o capitão da Seleção Brasileira campeã mundial no Chile em 1962, ou seja, Alexandre era a primeira opção.

O Ceará perdeu o título estadual de 1959, mas os campeonatos de 1962 e 1963 foram marcantes. Alexandre em vários momentos atuava com zagueiro, capitão e treinador, ao mesmo tempo.

Foi em 1964 que o eterno Capitão alvinegro encerrou sua carreira, antes mesmo de completar 30 anos, mas um terço destes entregue ao Vovô. Alexandre encerrou a carreira por cima, como tantos ídolos almejavam. O Ceará fez uma campanha histórica na Taça Brasil de 1964, terminando a competição na terceira posição e foi parado apenas pelo Flamengo no Maracanã. Após a eliminação no Rio de Janeiro, decidiu parar de brilhar nos campos, para entrar de vez na história.

Após a aposentadoria, trabalhou como representante comercial, dono de uma ótica e algumas vezes como treinador. Comandou e equipe do Ferroviário Atlético Clube campeão cearense em 1970, a final deste justamente contra o Ceará. Alexandre confessou inúmeras vezes que o sentimento naquela partida foi estranho, feliz com a conquista do título, mas triste por ver do outro lado o time que fazia parte de si. Na festa da vitória do título, sentiu-se deslocado e foi para casa antes do término das comemorações.

Alexandre chegou a acertar para dirigir a equipe do Fortaleza no ano de 1972, recebeu pagamento do ano inteiro antecipado, em um saco com dinheiro vivo. Era dinheiro suficiente para comprar uma casa à vista, após receber o dinheiro, não conseguiu dormir direito e passou a noite em clara. Logo pela manhã, foi a casa do presidente tricolor devolver aquele saco. Dinheiro nenhum no mundo traria a paz ao maior zagueiro da história do Ceará Sporting Club, terceiro jogador que mais vestiu a camisa do clube e homem que durante só vestiu uma só camisa durante a carreira profissional.

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Fernando Graziani

Fernando Graziani é jornalista. Cobriu três Copas do Mundo, Copa das Confederações, duas Olimpíadas e mais centenas de campeonatos. No Blog, privilegia análise do futebol cearense e nordestino.

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