Aos 29 anos, o baiano Ligger Moreira Malaquias veio ao Fortaleza em 2017 por vontade própria. O zagueiro de fala tranquila e pausada se profissionalizou no Icasa em 2008. Passou também por Guarani de Juazeiro, Iraty-PR, Cianorte-PR, Oeste-SP, Sheriff Tiraspol, da Moldávia e disputou a temporada 2016 pelo Joinville. O clube de Santa Catarina queria a sua permanência, mas ao receber o convite para atuar no Tricolor do então técnico Hemerson Maria e do supervisor César Sampaio (ambos demitidos em fevereiro) aceitou na hora. “Senti que era a oportunidade da minha vida”.

Ligger, entretanto, não contava com um começo ruim de temporada, tanto individual como coletivamente. Nos piores momentos, chegou a receber ligações e mensagens em seu telefone particular com ameaças de torcedores: “Foi difícil. Eu poderia ter pedido para ir embora porque ninguém precisa passar por isso, mas acreditava que iríamos reagir”.

Conversei com Ligger pessoalmente durante um bom tempo na manhã desta quarta-feira. Definitivamente a recuperação do jogador na temporada representa bem o que ocorreu com o próprio Fortaleza em 2017. Com direitos federativos presos ao Oeste até maio de 2018, o jogador que fez 20 dos 22 jogos pelo Tricolor na Série C (35 na temporada) diz querer ficar no Pici para 2018. Na conversa, ele conta também do início de carreira, da importância da mãe na sua vida, da admiração pela torcida do Fortaleza e de como um time desacreditado e eliminado em todas as competições do primeiro semestre conseguiu acesso para a Série B após oito anos na terceira divisão.

Blog Futebol do POVO: No fim de 2016 o Joinville queria que você ficasse para 2017, mas a sua opção foi por aceitar o convite do Fortaleza. O que te fez tomar essa decisão?

Ligger: “Isso. Eu escolhi vir. Eu já sabia da imensidão desse clube e também sabia da pressão. A gente que estava de fora acompanhava o sofrimento para o time sair de onde estava. Quando eu recebi o convite para vir pra cá para mim era a oportunidade da minha vida em relação ao futebol, poder vestir uma camisa de massa e de peso. A responsabilidade seria maior, não que nos outros clubes também não era, mas vestir a camisa do Fortaleza ia ser diferente”.

Blog: Ter sido titular do Oeste quando o time eliminou o Fortaleza na Série C em 2012 no mata-mata é dos motivos que te fizeram conhecer mais o clube?

Ligger: Olha, quando eu cheguei aqui muita gente fazia esse tipo de colocação. Os torcedores falavam que se eu ajudei a atrapalhar o Fortaleza em 2012 agora eu tinha que ajudar o time a subir. Mas eu me lembro bem da primeiro partida de 2012, em Itápolis. Lá a gente já considerou que tinha muitos torcedores do Fortaleza e deu para ver o fanatismo da torcida. No jogo de volta, no PV, foi a mesma coisa”.

Blog: Certamente no Oeste foi onde você mais ganhou destaque antes de chegar ao Fortaleza, mas como foi o início da sua carreira até ser profissional?

Ligger: ‘Sempre na Bahia. Comecei no futebol amador de São Francisco do Conde. Depois disputei dois campeonatos nas categorias de base do Ipitanga, mas não tive oportunidades em outros times de lá. Eu então voltei a estudar e já tinha pensado em desistir do futebol. Estava com 18 anos, mas aí um empresário que tinha me visto jogar fez o convite para eu fazer um teste no Guarani de Juazeiro. Quando eu cheguei em Juazeiro, o Guarani não tinha voltado das férias e eu então fui para o Icasa. Gostaram do meu futebol e me profissionalizei lá”

Blog: De volta agora ao começo da sua temporada no Fortaleza, você teve problemas técnicos e não foi bem. Você já entendeu o que aconteceu?

Ligger: “Tudo tem influência. Desde que eu cheguei a cobrança pelo acesso era muito forte, mais isso não me atrapalhava porque o que vem de fora a gente tem que superar. Mas o que eu vejo é que mudança no clube foi muito grande. Saiu praticamente todo mundo. Querendo ou não, para você montar um time com jogadores diferentes não dá pra ter resultado de uma noite para o dia. Qualquer empresa, um jornal, por exemplo, quando o coletivo não funciona, quando um grupo não está bem e com as coisas não dando certo, o individual acaba não aparecendo. Vou te dar um exemplo. O Bruno Melo. Ninguém falava dele, ninguém lembrava dele. Contrataram jogadores para a posição e agora ele está aí, um dos nossos melhores atletas.

Blog: O elenco tratava como as críticas que vinham de todos os lados? Ajudou a fortalecer ou teve confusão internamente?

Ligger: A cobrança sempre foi grande, mas a nossa união era grande. E sempre falava pra todo mundo que o elenco que foi montado, por mais que fosse todo novo, pelo nível dos nossos jogadores, não era normal o que estava acontecendo com a gente. A gente não podia estar passando por tanta desconfiança, por aquele momento de receber ameaças o tempo todo. Recebemos muitas ameaças em redes sociais, telefonemas, mensagens.

Blog: Você também recebeu tais ameaças?

Ligger: Sim. Ligações dizendo que se a gente não fosse embora, iam fazer besteira. Vários jogadores receberam. Mas eu nunca respondi, ficava na minha. Isso nunca tinha acontecido na minha carreira. Foi difícil”.

Blog: Por que você não desistiu?

Ligger: “Quando você tem uma estrutura que não te deixa desanimar, não te deixa cabisbaixo, isso é muito importante e foi o que aconteceu comigo, tanto na vitória como na derrota, incluindo amigos e familiares. E falo especialmente da minha mãe, que mora comigo. Desde quando ela chegou aqui a Fortaleza as coisas passaram a dar mais certo. Ele chegou logo depois do campeonato cearense. Uma pessoa que me incentiva demais desde o começo da minha carreira, quando eu sai de casa. Ela tem sido fundamental”

Blog: Você é o terceiro jogador do elenco com mais jogos na Série C. São 20 em 22, com 1767 minutos em campo. Qual foi o ponto da virada desse elenco do Fortaleza e do seu futebol?

Ligger: “A chegada do Bonamigo. A confiança que ele passou pra gente foi muito grande e mexeu com todo mundo. Como eu já te disse, o nosso elenco não era para passar por essa situação toda, mas ali, desde o primeiro dia que o Bonamigo chegou, a gente começou a nossa reação até o acesso com muito trabalho, mesmo que depois ele tenha sido demitido antes do fim da competição”.

Blog: Há conversas para você permanecer no Fortaleza em 2018?

Ligger: “Oficialmente ainda não. Eu dependo do que o Oeste que tem meus direitos federativos até maio de 2018. Estou feliz que eles estejam brigando por vaga na Série A, então tenho que esperar o que o Oeste vai decidir também, mas eu já deixei claro do meu interesse em permanecer no Fortaleza. Não é porque estamos na final de um campeonato nacional e que está tudo bem agora, mas é pela grandeza do clube. Quando a gente veste uma camisa como essa, de um clube desse e com essa torcida, é indescritível”

Blog: A paixão do torcedor que incentiva superou a chateação das ameaças?

Ligger: “Quando eu estou dentro de campo e escuto aquela torcida é demais. Fico arrepiado, emocionado. São milhares de pessoas mas eu escuto uma voz só e aquilo mexe demais comigo. As coisas ruins que aconteceram serviram para me fortalecer. Eu poderia ter pedido para ir embora porque ninguém precisa passar por isso, ficar com medo de sair na rua, de ir a um restaurante, a um shopping. Eu vim para jogar futebol e não para uma prisão, não para se hostilizado ou ficar com medo pela família. Mas isso tudo ficou para trás”.

About the Author

Fernando Graziani

Fernando Graziani é jornalista. Cobriu três Copas do Mundo, Copa das Confederações, duas Olimpíadas e mais centenas de campeonatos. No Blog, privilegia análise do futebol cearense e nordestino.

View All Articles