Mamães e papais,
recebi esse texto de uma leitora que queria tanto desabafar, quanto conversar sobre este assunto com a gente. Não vou dar explicações, melhor que leiam o texto. A Daiane, mãe do Miguel, é brasileira e mora em Assunção, no Paraguai.

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Está chegando o final do ano e com isso vêm as festas e festivais de encerramento do período escolar. A escola do meu filho faz todos os anos uma apresentação de teatro. Os pais estavam todos orgulhosos e faziam fila para tirar fotos, todos postando no facebook o quanto seus filhos são lindos, talentosos, artistas. Eu estava incomodada, meu filho não estava feliz, ele estava sendo obrigado a fazer uma coisa que ele não queria. A roupa de coelho fazia ele suar. Ele desesperado pedia para tirar e tentava arrancá-la do corpo dizendo “não quero, não quero” e gritava pedindo água como se nunca tivesse passado por uma situação pior que aquela. E de fato ele nunca tinha passado por nada assim. Eu não sei o que as pessoas pensavam ao vê-lo, mas eu sentia que estava torturando meu próprio filho. Tirei a roupa dele imediatamente e tentei consolá-lo, ele ficou chorando no meu colo, achando tudo muito estranho, pedindo água e com a fantasia já molhada de suor, com o choro mais desesperado que eu já vi. Ele esteve ali chorando, e eu sentindo que todos me olhavam pensando “coitada, o filho dela não colabora”, sentindo que nenhum daqueles olhares condenava a atividade ou a escola ou o calor, eles me condenavam, condenavam o meu filho. Eu tomei a decisão de voltar para casa porque não queria forçá-lo a nada. Enquanto arrumava tudo para ir embora correndo dali, o Miguel finalmente viu outro menino com roupa de coelho igual a dele e achou legal, quis brincar. Vestiu a roupa. Parecia tudo bem.

Fui entregá-lo para a professora na entrada do camarim e não pensei que entrar pelo auditório podia ser uma ideia não muito boa. Entramos e o Miguel já quis achar lugar para sentar, ele adora ir ao teatro, começou a comentar ansioso sobre o que passaria no palco, o que ele ia ver ali. Uma professora já foi dizendo imperativa “você pode levá-lo pra professora dele, por favor? logo já vai começar” e eu comentei com ela, com um pouco de orgulho materno, que o problema é que ele queria ver a peça (obvio, ele já viu várias peças e nunca fez uma, ele pensava que estava ali para assistir) e ela respondeu muito secamente e com muita má educação “mas isso não é o que se deve fazer hoje”. Como assim o que se DEVE fazer? Alguém explicou isso para o menino? Alguém o fez entender o que ele devia fazer? Ele sabia o que devia fazer? Ele tem idade e maturidade para entender o que significa atuar em uma peça de teatro? Ele entrou chorando, desesperado, sem saber o que ia acontecer lá dentro, eles só tinham ensaiado uma vez naquele teatro e nunca com aquela roupa extremamente quente para nosso calor de mais de 40ºC. Eu estava me sentindo a pior mãe do mundo, no pior lugar do mundo e não estávamos nada felizes.
Na hora da apresentação ele entrou direitinho, ficamos com o sorriso de orelha a orelha de ver que ele acompanhava mais ou menos a música, tendo só 3 anos. Mas eu não estava feliz, estava aliviada, ele não estava mais chorando.

O enredo era muito convencional, uma briga entre o inverno e a primavera. Aqui, num país tropical desmatado pelos campos de soja, onde só notamos que passou de uma estação para outra porque olhamos no calendário, onde têm flores o ano inteiro, calor o ano inteiro. As músicas eram quase todas em inglês, os camponeses se vestiam como os camponeses dos desenhos importados dos EUA, era tudo o que vemos nos desenhos infantis estrangeiros da TV, como se já não bastasse a TV para ver isso. Então para quê criar toda uma situação desconfortável para a criança?

E nós ali, sem entender como as pessoas estavam tão felizes, ou sim, entendendo o quanto o espetáculo nos aliena, o quanto a vaidade dos pais obriga os filhos a fazer coisas que eles ainda não têm maturidade para decidir se querem ou não fazer (como tirar foto com o Papai Noel). Para que? Para ter foto bonita, para a professora que escreveu a peça se sentir importante e criativa, para a professora de dança se sentir realizada, para a família ter uma foto e dizer “olha meu filho, que lindo, quando ele atuou na escola, é um artista, é puro talento”, para que a escola faça publicidade às custas dos nossos filhos e do nosso dinheiro, porque é isso que é o show de encerramento: um montão de propaganda no facebook com fotos dos nossos filhos (que ninguém pediu autorização para publicar), com comentários sobre o quanto o colégio é bom por organizar esse tipo de eventos, o quanto promovem a cultura, a criatividade, a integração (?).

O problema é que em nenhum momento me senti integrada, nem respeitada, muito menos feliz. Me sinto estafada, angustiada e cheia de dúvidas. Como permiti que torturem meu filho assim? Como acabamos caindo no discurso de festa de fechamento do ano e terminamos pagando para nos sentir mal? Como permitimos que façam publicidade as custas do sofrimento do nosso filho? Como discutir isso na escola? Como conversar sobre isso com outros pais (quando a maioria parece achar muito legal e muito bonito)? Que impressão disso tudo ficou na memória do Miguel? Uma sensação de angustia e impotência que ficou por debaixo dos panos, atrás das cortinas, porque o show tem que continuar e talvez eu seja só mais uma rara mãe chata e conflitiva. Para piorar tudo depois a professora me comentou no facebook que teve que fazer de tudo para o Miguel ficar acordado e participar da peça, porque ele estava caindo de sono. Até pecado isso, gente do céu. Só eu que acho?

apresentacao na escola

Escrito por Daiane de Fernández

E vocês já passaram por algo parecido? O que pensam sobre essas festinhas de fim de ano na escola?

About the Author

Carol Bedê

Jornalista. Mãe da Laís e do Vinícius. Já quis ser muita coisa...depois de terminar a faculdade de letras, uma especialização e a faculdade de comunicação social (jornalismo), de uma coisa tive certeza: o que eu quero mesmo é escrever. Já escrevi sobre muitos assuntos. Tentei até fazer poesia, mas nunca achava que conseguia. Depois de ser mãe resolvi escrever sobre ser mãe, sobre bebês, sobre crianças e sobre esse mundo. E só agora acho que consigo fazer poesia.

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