Lançado pela Boitempo Editorial, livro de Ivone Benedetti mostra o cotidiano de um informante das forças militares. Trama é ambientada na São Paulo das décadas de 1960 e 1970

Nos anos de chumbo – quando os militares governavam o País e as pessoas saiam de casa para nunca mais voltar – um rapaz resolve se aventurar na floresta de concreto chamada São Paulo. Dos confins da Bahia, onde teve uma infância cheia de religiosidade e educação formal, ele parte em uma jornada rumo ao estranho. Ludibriado por um parente logo nos primeiros dias, o (pseudo) herói entra em uma vida quase miserável. Uma pensão suja, um emprego de garçom, uma namorada amorosa. Parece uma vida pacata na capital paulista dos anos 1960 e 1970.

Mas não é. O protagonista serve como uma espécie de “agente duplo” ao Regime Militar. Função que à época era denominada “cachorro”. Envolvido com movimentos revolucionários, ele realizava pequenas missões. Tudo acontece por força do acaso e não por convicção nos ideais. Ele mesmo não sabe explicar os porquês. Ao ser apanhado pelos militares, entretanto, ele logo entrega os “companheiros” e se torna informante ativo das forças de repressão.

Não por acaso, também, o livro é denominado Cabo de Guerra. A todo momento, o leitor é impelido por forças externas que insistem em dizer: não há heróis e não há vilões. As personalidades são dúbias, discordantes, extremas. Mérito da autora Ivone Benedetti -finalista do Prêmio São Paulo de Literatura em 2010 e que já havia feito sucesso com Tenho Um Cavalo Alfaraz. Ela tem uma escrita tão sólida quanto os personagens que constrói. Da secretária amargurada ao coronel, da jovem revolucionária à beata pagadora de promessas.

O romance é narrado em primeira pessoa. Como desafio para o leitor estão as mudanças temporais. A mente desorganizada do protagonista navega entre os acontecimentos do período militar, lapsos da infância e da atualidade, quando está prostrado em uma cama aos cuidados da irmã. Ivone realiza um trabalho de escrita primoroso ao completar todos os arcos temporais e oferecer ao leitor personagens substanciais. É encantador observar como as pessoas passam pela vida do protagonista engatinhando ações e situações futuras.

Cabo de Guerra também é um convite a quem deseja mergulhar na capital paulista das décadas de 1960 e 1970. Benedetti realizou um trabalho delicado ao transpor locais, ruas, fachadas e pontos de ônibus. Mergulhamos no modo de vida de outra São Paulo – com o trânsito já caótico, o transporte público ineficiente, as passeatas e os botequins. A autora pinta vários quadros que transbordam ao longo das 304 páginas do livro, demonstrando segurança na construção textual.

Cabo.inddServiço
Cabo de Guerra
Ivone Benedetti
304 páginas
Preço: R$ 54
Boitempo Editorial

About the Author

Isabel Costa

Inquieta, porém calma. Isabel Costa, a Bel, é essa pessoa que consegue deixar o ar ao redor pleno de uma segurança incomum, mesmo com tudo desmoronando, mesmo que dentro dela o quebra-cabeças e as planilhas nunca estejam se encaixando no que deveria estar. É repórter de cultura, formada em Letras pela UFC e possui especialização em Literatura e Semiótica pela Uece. Formadora de Língua Portuguesa da Secretaria da Educação, Cultura, Desporto e Juventude de Cascavel, Ceará.

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