Por Bárbara Costa Ribeiro

Em 2017, o coletivo A Literação começa uma nova fase. Famoso na Cidade pela promoção de eventos e pela publicação de fanzines temáticos, o grupo começa a investir no modelo fanzine-autoral. A Literação assim galga os passos para se tornar um selo de publicação independente no meio underground. O primeiro volume da nova fase será lançado no dia 12 desta semana de maio, sexta-feira, na Universidade Federal do Ceará.

Chama-se Arara azul, com textos de Bárbara Costa Ribeiro. Esta meninota aqui, que vos escreve, e passa a contar agora como foi a experiência de conceber e sistematizar uma porção de textos, buscando alguma coesão interna, alguma poesia, a fim de compor este Arara Azul.

Minha pequenina trajetória poética, se é que se pode falar em trajetória ou em poética pessoal sem soar um tanto pretensioso, esteve muito atrelada à própria existência do A Literação. Lembro que submeti um poeminha à primeira edição do zine. O texto passou meio despercebido, mas entrou. Aquilo me encheu de grande felicidade. Era uma dessas prosas poéticas, fragmento, estilhaço que a gente quase sempre posta por aí, pelo Facebook, na partilha de uma solidão. Falava sobre a cor vermelha do céu numa noite de chuva, minutos antes de a chuva chover. Infinitas possibilidades estancadas no céu.

O que era rubro, hoje, na asa de uma arara, se torna azul. A imagem da arara azul nasceu de um dos poemas que agora compõem essa publicação inédita. A escolha do título foi fácil: Mariana Martins, umas das atuais editoras do selo que se tornou o A Literação, quando lhe enviei a primeira remessa de textos que eu acreditava serem os que poderiam caber dentro da “identidade fanzineira”, foi me dizendo que gostara muito do que eu havia enviado, mas sentia falta de um poema em especifico, um poema que ela conhecia de Facebook, que eu havia escrito há muito tempo. “Era algo sobre… araras azuis”, ela me disse. Não tive dúvida, resgatei-o.

Incluí o poema naquela primeira leva de textos e pedi: “Será que o fazine poderia justamente se chamar Arara Azul?”. Era também a minha forma de agradecer por alguém em algum lugar deste mundo, perto de mim, ter um dia se lembrado de um texto cuja maldição era justamente carregar meu amorfo nome, e tê-lo apendido de coração, e tê-lo citado assim, com carinho. A escolha do título, portanto, aconteceu graças a essas obras do destino: a escrita que atravessa as pessoas; pessoas atravessam pessoas.

Se eu pudesse, de fato, descrever os textos que compõem o fanzine, diria que eles são: atravessamentos. Histórias, momentos, lampejos, a pura matéria do dia a dia, besteiras, duas, três, um som de abelha, um silêncio.

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Com a metade de uma face composta por textinhos em prosa e a outra metade da face composta por textos em verso, nasce o livro, que não deixa a estética do fanzine no charme marginal que jamais poderá deixar de ter, e brinca, sobretudo, em sua composição, com a ideia de memória.

De quem são essas memórias? De ninguém, de todo mundo. São, na realidade, um esquecimento. Afinal, lembrar é isto mesmo: esquecer; e essencial a todo gesto poético, toda narrativa, é que se esqueça mesmo a verdade, para que então nasça a poesia, a palavra de ficção. É o que eu acredito. Que o texto nasce dessa tensão maravilhosa entre o perdido e o vivido, entre aquilo que eu sei que experimentei, mas que já não posso mais resgatar, senão por um lampejo de consciência que, na verdade, não tem mais nada a ver comigo: não sou eu que controlo a poesia que nasce da minha mão, dos dedos, é ela que me controla, leme delirante, sou muito mais atravessada por essa linguagem que é em si só sua, do mesmo modo como pessoas também me atravessam, e atravessam-se, levando pedaços umas das outras.

Tudo se mistura, tudo é uma lembrança, tudo um esquecimento: nasce então um texto, um poema, singelo, mínimo que seja. Os poemas e prosinhas do Arara Azul então veiculam a memória de um esquecimento, o esquecimento de uma memória, a infância, a solidão, o andar de sapatilhas, a busca por um amor, estar de pijamas pisando o chão do patrimônio público, qualquer ideia estapafúrdia e doce, um sorriso de pássaro.

Gostaria mesmo que soasse a cada um que se dispuser a lê-lo como um carinho que a gente oferta de bom grado a um cão desconhecido, este zine, aquele instante em que as pupilas se encontram, cachorrinho e criança. Quem acaricia quem? Isto não sei. Mas, de todo modo, que seja bom e terno. E, no momento de acabar, que cause o mesmo suspiro de uma tristeza mole que recai sobre os semblantes quando se afastam a mão que faz a festa e o pelo do cão afagado.

Queria uma linguagem assim, que fosse como um carinho, e sempre a iminência de uma despedida dolorosa mas mansa, porque a minha mão que escreve, embora a todo instante eu tente amputá-la, está sempre aqui, doce e desarmada. Arara Azul é isto.

Serviço
Lançamento Arara Azul de Bárbara Costa Ribeiro
Quando: sexta-feira, 12 de maio
Horáro: 18 horas
Onde: Departamento de Literatura da Universidade Federal do Ceará (avenida da Universidade, 2683)

About the Author

Isabel Costa

Inquieta, porém calma. Isabel Costa, a Bel, é essa pessoa que consegue deixar o ar ao redor pleno de uma segurança incomum, mesmo com tudo desmoronando, mesmo que dentro dela o quebra-cabeças e as planilhas nunca estejam se encaixando no que deveria estar. É repórter de cultura, formada em Letras pela UFC e possui especialização em Literatura e Semiótica pela Uece. Formadora de Língua Portuguesa da Secretaria da Educação, Cultura, Desporto e Juventude de Cascavel, Ceará.

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