Livro Heroínas Brasileiras Negras em 15 Cordéis

A cordelista cearense Jarid Arraes lança, em junho, o livro Heroínas Negras Brasileiras em 15 cordéis. Ela contou as desventuras, as vitórias e os percalços de mulheres que modificaram seus espaços. São narradas as histórias de Antonieta de Barros, Aqualtune, Carolina Maria de Jesus, Dandara dos Palmares, Esperança Garcia, Eva Maria do Bonsucesso, Laudelina de Campos, Luísa Mahin, Maria Felipa, Maria Firmina dos Reis,  Mariana Crioula, Na Agontimé, Tereza de Benguela, Tia Ciata e Zacimba Gaba. A obra está em pré-venda virtual e após o lançamento será distribuída em livrarias.

Jarid começou a escrever sobre Dandara dos Palmares há quatro anos. Em formato de cordel, ela contou as desventuras, os percalços e as vitórias da líder quilombola. O interesse do público foi imediato e, a cada mês, Jarid narrava a vida de novas heroínas negras. Muitas eram desconhecidas e surgiram a partir de sugestões dos leitores. Heroínas Negras Brasileiras em 15 cordéis é um compilado desse processo. Ao Leituras da Bel, ela falou sobre a concepção do novo livro, mercado editorial brasileiro, legado deixado pelas mulheres negras na história e os direitos alcançados ao longo do tempo.

Leituras da Bel – O livro apresenta histórias de heroínas negras brasileiras. Como foi o processo de seleção das mulheres retratadas?
Jarid Arraes – A primeira mulher negra que transformei em cordel foi Dandara dos Palmares, há quatro anos, e a partir daí decidi criar uma coleção em que eu pudesse incluir cada vez mais biografias. No começo tive que pesquisar sozinha, sobretudo buscando nomes que fossem referência na luta contra a escravidão, mas a medida em que eu ia publicando, as pessoas começaram a mandar sugestões de novos nomes. Mulheres negras que marcaram a história de estados específicos, de regiões, ou que tinham até mesmo uma aura de lenda em torno de seus nomes. Pesquisei em trabalhos acadêmicos, principalmente, tentando reunir o máximo de informações confiáveis, mas a verdade é que muitas dessas mulheres foram pouco registradas. Mesmo que tenham sido grandes líderes de quilombos que eram praticamente países diferentes dentro do Brasil da época, Outras, como Antonieta de Barros, Carolina Maria de Jesus e Laudelina de Campos, todas que estão nesse meu novo livro, já possuem mais dados e causos contados. De qualquer forma foi um processo incrível; aprendi tanto, fiquei muito maravilhada com a força e coragem de todas, cada uma dentro de seu contexto. Foi inspirador.

Jarid Arraes, cordelista

Leituras da Bel – E qual o legado dessas heroínas para as mulheres e meninas brasileiras?
Jarid – Acredito que elas nos mostram que temos coragem e capacidade. Mesmo em contextos extremamente hostis, mais do que os tempos atuais, foram mulheres que lutaram contra a escravidão, que enfrentaram autoridades injustas e muitas vezes cruéis. Maria Firmina dos Reis, por exemplo, fundou uma escola mista, para meninos e meninas, numa época em que tal ideal era abominável. São muitos exemplos de força, de inteligência, estratégia, solidariedade, enfim, de qualidades que todas as mulheres e meninas podem e devem utilizar. Também é muito impactante e importante conhecer nossa história, principalmente a história que infelizmente ainda não é contada nas escolas e não chega até a mídia. Além de ser inspirador e encorajador, nos faz abrir os olhos para uma realidade que muda tudo. Saber que existiram mulheres líderes de quilombos ou que realizaram feitos que eram até proibidos para mulheres negras é algo que joga uma luz diferente sobre a história, já que o esquecimento pode nos passar a impressão de que mulheres negras não realizaram grandes feitos históricos – o que é uma mentira terrível.

Ilustrações integrantes do projeto. (Arte: Gabriela Pires)

Leituras da Bel – A mulher negra brasileira, hoje em dia, tem razões para comemorar?
Jarid – Temos conquistas, mas elas sempre estão sob ameaça. Laudelina de Campos, uma das heroínas do livro, fundou o primeiro sindicato de empregadas domésticas do país e recentemente vimos essa luta resultado com novas leis trabalhistas que assegurariam direitos básicos para a categoria. Infelizmente grande parte da população, a que tem empregadas domésticas, não aceitou esse avanço até hoje. Os direitos que conquistamos precisam de manutenção, de atenção, porque podem ser perdidos. Então é importante que comemoremos conquistas pelas quais lutamos há séculos, mas não podemos esquecer da realidade que ainda é muito difícil, cheia de racismo e machismo, e que as mulheres negras formam o grupo que sofre mais violências e violações de direitos no Brasil.

Leituras da Bel – Ser escritora é um ofício complicado no Brasil? Como foi o processo de publicação?
Jarid – Disse, numa entrevista recente, que ser escritora negra no Brasil é lutar contra monstros que estão vivos desde a época da escravidão, mas que colocaram roupinhas menos severas para agirem com cinismo. Acredito que ser autora – mulher, sobretudo – é muito complicado, ainda mais num contexto de mercado editorial extremamente machista, com uma realidade em que quem paga mais fica nas melhores prateleiras das livrarias. São eventos literários que não convidam escritoras, que não chamam autoras negras, que são formados por curadorias incompetentes e que insistem no mais do mesmo. Infelizmente esse “mais do mesmo” quer dizer homem branco heterossexual, muitas vezes de meia idade. Essa é a figura que editoras, livrarias, eventos e leitores no geral ainda associam com credibilidade e qualidade.

No caso do meu livro Heroínas Negras Brasileiras, eu já tinha uma experiência extremamente positiva como autora independente. Já publicava meus cordéis e em cerca de dois anos vendi mais de 20 mil exemplares somente dos que contam as biografias das heroínas negras. Publiquei um livro independente em 2015, o “As Lendas de Dandara”, a tiragem acabou completamente esgotada, o que despertou interesse de editoras e em dezembro de 2016 ele foi relançado pela Editora de Cultura. Com o Heroínas Negras Brasileiras eu procurei editoras menores e que tivessem um perfil coerente com o que acredito, aí optei pela Pólen Livros. Não pretendo deixar de ser uma autora independente, porque gosto do processo todo de ter controle sobre minhas obras e ter um contato direto com quem me lê, mas sempre que possível expandir o alcance das minhas obras, chegar até livrarias, acho que são oportunidades importantes para mostrar que existe muito mais do que o “mais do mesmo”.

Ilustrações integrantes do projeto. (Arte: Gabriela Pires)

Leituras da Bel – Como aconteceram as pesquisas para a produção dos cordéis? Você descobriu muitos fatos inusitados e surpreendentes ao longo das pesquisas?
Jarid – Pesquisei principalmente em trabalhos acadêmicos, porque eu queria dados históricos, registrados e confiáveis, mas no processo de pesquisa tive que levar em consideração o conhecimento das pessoas que não estavam na academia, porque muitas dessas heroínas negras ganharam uma narrativa popular. Eu acho isso incrível, mostra a resistência das histórias que tentaram apagar, mas não conseguiram. Pela oralidade, pelas histórias que passaram dos mais velhos para os mais novos, e como transformação em símbolos de luta, essas histórias sobreviveram mesmo com o descaso de quem “conta a história oficial”. Uma das que mais me marcou foi a de Eva Maria do Bonsucesso, que era uma mulher negra livre na época da escravidão, e que quando entrou numa briga com um homem branco rico, acabou saindo vencedora legalmente, pois a população testemunhou em seu favor. Acabou que o homem branco dono de escravos que ficou preso por alguns meses. Imagina só que fato impensável! Eu jamais imaginaria que algo assim tinha acontecido no Brasil.

Leituras da Bel – Alguma das mulheres biografadas no livro te toca em especial?
Jarid – Como escritora, Carolina Maria de Jesus e Maria Firmina dos Reis me inspiram muito, são como mentoras para mim, porque romperam padrões e dificuldades impostos contra mulheres negras que escrevem, porque publicaram suas obras, insistiram no que acreditavam, mesmo com o contexto hostil, o preconceito, as sabotagens. Também me sinto maravilhada quando penso em Tereza de Benguela, que foi rainha de um quilombo gigantesco, poderoso, onde se produzia alimentos, tecidos, armas e que tinha até um parlamento próprio. É um fato grandioso, admirável, que deveria ser contado nas escolas. Por que não é? Se aprendemos sobre os reis e príncipes que estiveram no Brasil, por que não sobre a rainha Tereza de Benguela e seu quase-país tão bem sucedido?

Ilustrações integrantes do projeto. (Arte: Gabriela Pires)

Leituras da Bel – As ilustrações são da Gabriela Pires. Você conhecia o trabalho dela?Jarid – Quando decidimos transformar os cordéis em livros, falei com minha editora, Lizandra Magon de Almeida, e propus que fizéssemos uma espécie de “chamada” para designers e ilustradoras negras. Eu quis que todo o processo do livro fosse feito também por mulheres negras, então abri uma seleção na internet, recebi muitos portfólios e trabalhos incríveis, e acabei escolhendo a Gabriela Pires porque me identifiquei demais com os traços dela e os trabalhos que ela já tinha feito. Como queríamos dar ao livro uma cara de xilogravura, a parceria seria perfeita. E o livro está lindo demais, as ilustrações maravilhosas. Nos tornamos grandes amigas, agora estamos juntas num coletivo literário, já trabalhando em projetos futuros. Foi tudo perfeito.

Serviço
Heroínas Negras Brasileiras em 15 Cordéis
Autora: Jarid Arraes
Ilustrações: Gabriela Pires
Para adquirir: www.loja.jaridarraes.com
Outras informações: contato@jaridarraes.com

 

About the Author

Isabel Costa

Inquieta, porém calma. Isabel Costa, a Bel, é essa pessoa que consegue deixar o ar ao redor pleno de uma segurança incomum, mesmo com tudo desmoronando, mesmo que dentro dela o quebra-cabeças e as planilhas nunca estejam se encaixando no que deveria estar. É repórter de cultura, formada em Letras pela UFC e possui especialização em Literatura e Semiótica pela Uece. Formadora de Língua Portuguesa da Secretaria da Educação, Cultura, Desporto e Juventude de Cascavel, Ceará.

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