Por Lílian Martins*
Dos bons ventos que agosto nos traz, nada mais surpreendente do que aquele vídeo-canção do qual nos anunciava o retorno de um dos mais importantes artistas da cultura brasileira na contemporaneidade. Após seis anos desde o lançamento de Chico, Francisco Buarque de Hollanda (1944) está de volta para resfolegar a turba brasileira atônita e ensimesmada destes dias soçobrados e sem brisas. E por isso mesmo é que nos parece ainda tão atual e necessário um dos primeiros ensaios expressivos sobre a poética deste músico, dramaturgo e escritor carioca, intitulado: “Chico Buarque: a música contra o silêncio” (1973) do escritor Affonso Romano de Sant’Anna.
E como quem canta seus males espanta, Caravanas nos pede paragem para desfazer silêncios, medos e injustiças. O novo álbum, do selo Biscoito Fino, é o 38º cd de Chico Buarque e traz nove faixas, sete delas inéditas, que versam – em família- como metonímia do nosso presente diante do turbilhão destes cybertempos. Eternos peregrinos de nós mesmos rumamos ao futuro cientes de que: “outrora, quando em priscas eras/Um Puskás eras/A fera das feras da esfera,/mas agora/Há que aplaudir o toque/O tique-taque, o pique, o breque”.
Os versos da nova canção “Jogo de bola”, imediatamente, nos lembra o escritor de Fazenda Modelo (1974) – sua estreia na literatura como novelista – quando nos diz “tempo de olhar em frente. Esquecer as desavenças. Somos uma família. Marchando. Fé no destino.” E a marcha de Chico pela literatura nos é muito preciosa. São sete livros publicados entre novela, romances e um livro-poema para crianças, Chapeuzinho Amarelo (1979), o escritor é também vencedor de três Prêmios Jabuti por Estorvo, em 1992, Budapeste, em 2004, e Leite Derramado em 2010. Em Caravanas também estão às referências literárias do compositor: Albert Camus e William Shakespeare ao lado dos músicos Johann Sebastian Bach e Silvio Rodrígues.
O escritor Rinaldo de Fernandes nos lembra que Chico Buarque é “um artista de duplo engajamento – com a palavra e com a sociedade” E ela está, no novo álbum, toda desnuda diante de nossos ouvidos, basta quem os têm que ouçam – em alto e bom som – sobre: o passado escravocrata brasileiro e a persistência de nosso racismo, em “As caravanas”; a dualidade que parece dividir o país em apenas duas frentes políticas, em “Desaforos”; o ritmo marginalizado do funk carioca, na parceria com o rapper Rafael Mike; o homossexualismo, em “Blues para Bia”, e olhando para nós, Chico reflete o mundo e aponta para a crise dos refugiados: “Um mar turquesa à la Istambul” e para os conflitos do Oriente: “Suburbanos tipo mulçumanos do Jacarezinho/ A caminho do Jardim de Alá/ É o bicho, é o buchicho/ É a charanga”. Ao lado do cearense Jorge Helder, assinam o bolero bilíngue “Casualmente” uma ode a Havana e uma resposta certeira aos gritos: “Vai pra Cuba!”.
Diante de um trabalho com tamanha envergadura só nos resta repetir o crítico literário Antonio Candido em Chico Buarque do Brasil (2004): “Louvemos Chico Buarque!” Por isso, quando ouvires os versos: “Se o teu vigia te alvoraçar/E estrada afora te conduzir/Basta soprar meu nome/Com teu perfume para me atrair”, lembra do cheiro do teu ser amado, posto que Caravanas é um convite para noites quentes, azuladas em lua e fios de cabelos, embalada por corpos sôfregos de amor e desejo antigos a ouvir galos em quintais alheios e a dividir os mesmos lençóis, sonhos e nenhuma mais saudade.
E para quem duvide de nosso amor, meu velho com cheiro de baunilha, eu canto no último volume: “Serás o meu amor, serás, amor, a minha paz, consta nos mapas, nos lábios, nos lápis”.
Aumenta e som e boas leituras!
*Lílian Martins é jornalista, tradutora, professora, pesquisadora e militante em Literatura Cearense. Mestre em Literatura Comparada pela UFC com a dissertação: “Com saudades do verde marinho: O Ceará como território de pertencimento e infância em Ana Miranda”. Vencedora do Prêmio Bolsa de Fomento à Literatura da Fundação Biblioteca Nacional e Ministério da Cultura (2015) é do Edital de Incentivo às Artes da Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor) em 2016. É uma apaixonada por Rádio, sebos, pelos filmes de Fellini, os poemas de Pablo Neruda e outras velharias…