Jhumpa Lahini

Por Alessandra Jarreta*

Conheci Jhumpa Lahiri em 2014 quando ainda trabalhava em uma livraria, o que quer dizer que eu tinha acesso a milhares de livros e pouquíssimo tempo para lê-los. Odiava quando um cliente me pedia Dostoievski porque nunca acertava o jeito certo de escrever seu nome, e tinha só uma vaga noção sobre o conceito do prêmio Pulitzer. Foi então que, durante abençoado dia escalada para a organização de loja, me deparei com uma grande quantidade de um livrinho azul com uma árvore na frente, incluindo um discreto “Vencedor do prêmio Pulitzer” na parte superior. Comprei O intérprete de males pela capa. Algo naquela árvore me chamou a atenção, e o livro era fino, curto, algo fácil de lidar durante os meus intervalos.

Jhumpa Lahiri escreveu O intérprete de males em 1999, uma coletânea com nove contos de histórias sobre imigrantes indianos nos Estados Unidos, descendentes desses imigrantes e americanos visitando a Índia. Foi seu primeiro livro, escrito depois de ganhar uma bolsa de sete meses na Fine Art Works Center of Provincetown, em Cape Cod, para artistas e escritores. A autora possui ainda várias obras premiadas de ficção e não ficção, agraciadas pela critica e constantemente presentes nas listas dos mais vendidos.

A obra de Jhumpa é essencialmente autobiográfica. Assim como Gogól, protagonista de O xará, um jovem filho de imigrantes indianos confuso sobre o lugar a qual pertence, ficou sendo conhecida pelo seu nome de criação. Seu nome “bom”, como se diz em bengali, é Nilanjana Sudeshna Lahiri. Filha de indianos, nasceu em Londres e com apenas dois anos mudou-se para os EUA, onde o pai trabalhava como bibliotecário em uma universidade.

Também como seu herói, passou a infância e a adolescência divida entre Rhode Island e Calcutá, graças ao desejo da mãe de não deixar os filhos perderem a conexão com a sua cultura. Como fala a personagem Ashima em O Xará “Ser estrangeira é uma espécie de gravidez eterna – uma espera perpétua, um fardo constante, um sentimento contínuo de indisposição.” A obra de Jhumpa trata especialmente dessa discussão sobre o imigrante, tão atual nos dias de hoje, e a sensação de não conseguir reconhecer qual é o seu lugar.

Conheça Jhumpa Lahini

A autora foi nomeada pelo ex-presidente americano Barack Obama como membro do Comitê de Artes e Humanidades, cargo que renunciou logo após a posse do presidente Trump, declarando que “ignorar seus comentários odiosos nos tornaria cúmplices das suas palavras e ações”. Formou-se em inglês na Universidade de Boston, contribui com o jornal The New Yorker e hoje mora com o marido e os dois filhos em Roma, onde agora escreve principalmente não-ficção em italiano, língua pela qual fora obcecada durante anos. Dividida desde a infância entre o inglês e o bengali, surgiu na autora o desejo de pertencer a algo que não carregasse o peso da obrigação e da conveniência:

“Não é possível uma metamorfose total no meu caso. Posso escrever em italiano, mas não posso me tornar uma escritora italiana. Apesar de estar escrevendo esta frase em italiano, a parte de mim condicionada a escrever em inglês perdura. Penso em Fernando Pessoa, um escritor que inventou quatro versões de si mesmo: quatro escritores separados e distintos, graças aos quais ele conseguiu ir além dos limites de si mesmo. Talvez o que eu estou fazendo, por meio do italiano, se assemelhe a sua tática. Não é possível se tornar outro escritor, mas pode ser possível tornar-se dois”.

“Curiosamente, sinto-me mais protegida quando escrevo em italiano, apesar de também estar mais exposta. É verdade que uma nova linguagem me cobre, mas ao contrário de Daphne eu tenho uma cobertura permeável – quase não tenho pele. E embora eu não tenha uma casca grosseira, eu sou, em italiano, uma escritora mais forte e mais livre, que, criando novamente, cresce de uma maneira diferente”.

*Alessandra Jarreta é estudante de Letras da UFC, mediadora dos clubes de Leitura Nordestina, Leia Mulheres, Leituras Feministas, Clube do quadrinho e Lendo Clássicos. Escreve quinzenalmente para o Leituras da Bel sobre Mulher e Literatura.

About the Author

Isabel Costa

Inquieta, porém calma. Isabel Costa, a Bel, é essa pessoa que consegue deixar o ar ao redor pleno de uma segurança incomum, mesmo com tudo desmoronando, mesmo que dentro dela o quebra-cabeças e as planilhas nunca estejam se encaixando no que deveria estar. É repórter de cultura, formada em Letras pela UFC e possui especialização em Literatura e Semiótica pela Uece. Formadora de Língua Portuguesa da Secretaria da Educação, Cultura, Desporto e Juventude de Cascavel, Ceará.

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