Ilustração: Jéssica Gabrielle Lima

Por Sara Síntique*
Terça-feira é o dia da poesia no Leituras da Bel! A cearense Sara Síntique escreve poemas quinzenalmente para o blog. Poeta, atriz, performer, mediadora de leituras e educadora, Sara mora em Fortaleza e publicou seu primeiro livro em 2015, pela Editora Substânsia. Leia sobre ele aqui! Para esta terça-feira, Sara preparou o [poema sem título]:

[poema sem título]

na véspera dirão
colocar um sapato inda mais alto
para apertar os dedos ferir as joanetes
causar dor nas pernas e na lombar e
dirão colocar um sapato inda mais alto
mas não tão néon não tão vermelho
não desses de gente que dança nada tão pink
nada dessas cores que glitter glitter
um tom mais sóbrio então para esquecer
assim para esquecer dançar.

na véspera dirão
pés descalços somente na areia da praia
só assim no raso d’areia da praia mas não tão longe
para que as unhas não caiam cobertas de poeira
para que não se deparem com os pântanos
o chão firme sempre sempre nunca movediço.

dirão a poeira crescente pelas partes do corpo não.

para não que não seja confundida suja
sapatos altos mas não néon.

dirão não se deve mostrar os pés para alguém que os veja.

dirão são interditos os beijos nos pés isso pode fazer sorrir.

dirão receber um afago sim mas sempre nas mãos e sempre suave.

e ainda que há uma gente de pés lambidos atrapalhando o pior do tráfego
e ainda que há uma gente de pés lambidos gemendo num quarto de motel
e ainda que há uma gente que só não é pior que essa gente toda
porque foi lamber os pés ali em frente ao mar ali na multidão

(suor areia e língua suor areia e língua
suor areia e língua suor areia e língua
suor areia e língua suor areia e língua
suor areia suor suor areia quanta chuva essa água
e os teus pés meu amor suor chuva e chuva areia
derramando toda a areia ah! os teus pés meu amor)

e

dirão correr não se atrasar apressar apressar
pois há um caminho possível para quem corre e não se atrasa
para quem corre e não se atrasa há avenidas facilitadas
cada vez mais sendo vias de mão única e você não se perde
nunca se perde porque há setas e placas and fast food e oferecem promoções.

dirão não andar na contramão não parar prosseguir.

dirão esse querer perambular por várias ruas é não chegar ao posto
não ser promovido ao grande posto do salto alto sem cor néon .

(e teu rosto néon meu amor a brilhar no escuro língua suor areia teu rosto estelar em meio a multidão de uma cor que glitter glitter tanto vento a pele sempre úmida língua areia ah! teus pés meu amor néon néon )

e

dirão somente gente perdida gosta de tantos caminhos assim.
dirão nunca labiríntica nunca embolotada.
e tropeçante nunca.

dirão melhor não ler pioravante marche.

e ainda que sorte você ao menos ter uns pés pequenos
assim se se embola se se labirinta ou se tropeça
os pés pequenos casam casam os pés pequenos casam
curtos e cautelosos quão boa impressão você se salva.

dirão para que se cuide porque há pés que são atados.

que não se pode mais cair até que tudo esteja farto.

na véspera.

na véspera.

(um pouco antes do teu primeiro passo – do teu primeiro)

(esvoaçamos?)

 

Sara escreve!

*Sara Síntique é poeta, atriz, performer, mediadora de leituras e educadora. Mestra em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC), onde também se graduou em Letras Português – Francês. Nasceu em Iguatu (CE), em 1990, e reside em Fortaleza desde 2001. Autora do livro de poesia Corpo Nulo (Editora Substânsia, 2015). Escreve poemas quinzenalmente para o blog Leituras da Bel.

 

 

About the Author

Isabel Costa

Inquieta, porém calma. Isabel Costa, a Bel, é essa pessoa que consegue deixar o ar ao redor pleno de uma segurança incomum, mesmo com tudo desmoronando, mesmo que dentro dela o quebra-cabeças e as planilhas nunca estejam se encaixando no que deveria estar. É repórter de cultura, formada em Letras pela UFC e possui especialização em Literatura e Semiótica pela Uece. Formadora de Língua Portuguesa da Secretaria da Educação, Cultura, Desporto e Juventude de Cascavel, Ceará.

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