Por Alessandra Jarreta*
Em uma noite chuvosa no verão de 1816, uma garota de 19 anos inventou a ficção científica. Seu nome era Mary Wollstonecraft Shelley e sua história sobre o Dr. Frankenstein e o incompreendido monstro cruzaria séculos. O livro tornou-se um ícone tão grande na literatura que a fama dos personagens chega a ultrapassar a de sua autora.

É muito comum que as pessoas não saibam que uma mulher criou Frankenstein, como é comum pensarem que o título da obra refere-se ao monstro. Eu mesma só a descobri quando estava em uma daquelas fases onde tudo que se quer é relaxar com um bom vampiro esbranquiçado que empala as cabeças de suas vítimas em lanças, e resolvi ler outros clássicos do gênero. Fiquei surpresa ao ler logo na primeira página uma pequena biografia, longe de ser suficiente para abarcar a conturbada vida de Mary, mas que me deixou ainda mais interessada pela obra.

Foi com ele que iniciei aqui em Fortaleza o projeto do Leia Mulheres, porque além de ser um livro fantástico e empolgante, era um ótimo exemplo de como autoras passam despercebidas pelos leitores. Já li Frankenstein três vezes e espero ter a oportunidade de reler muitas mais, pois a obra só cresce a cada releitura. Apesar de ter sido escrita durante o século 19, a sensação que temos durante a leitura é como se ela estivesse nos contando essa história agora, em 2017. Sua força é impressionante.

Mary Shelley

Mary Shelly foi uma mulher a frente do seu tempo. Começando por ser filha da feminista Mary Wollstonecraft, que publicou em 1792, poucos anos antes de sua filha nascer, a Reivindicação dos Direitos da Mulher, onde afirma, graças a Deus, serem as mulheres seres humanos merecedores dos mesmos direitos fundamentais garantidos aos homens. Apesar de ter morrido apenas dez dias depois do nascimento da filha, sua marca ficou. A jovem Mary foi criada e educada de maneira rica e liberal por seu pai, o filósofo William Godwin, que encorajava a filha estudar e a aderir seus ideais políticos liberais, além de ter livre acesso a sua biblioteca e a conversar com outros intelectuais da época, como o ex-vice-presidente Aaron Burr.

Apesar de ser um testemunho suspeito, Godwin descreveu sua filha aos 15 anos como “uma mente ativa, um tanto imperativa e singularmente brilhante. Seu desejo de conhecimento é grande, e sua perseverança em tudo o que empreende é quase invencível”.

Mary Shelley

A vida de Mary foi muito diferente do que se esperava das mulheres nascidas em 1797. Ainda na adolescência, teve um romance com um dos seguidores políticos do seu pai, o poeta Percy Bysshe Shelly, que era casado. Ela foge com ele para uma viagem de carroça e mula pela França e Suíça, fica sem dinheiro algum, engravida, perde o filho prematuramente, tem um caso com um amigo do casal (por incentivo do próprio Shelly), defende o amor livre e casa-se com Shelly após o suicídio da sua esposa.

https://www.youtube.com/watch?v=Eaw2aQrghck

É fato incontestável que Mary Shelly foi uma grande escritora. A extensa lista de suas obras tem sua própria página na Wikipédia, e é triste que poucas delas tenham sido traduzidas no Brasil. Além do clássico Frankenstein, que inaugura a ficção científica contando a história de um homem que conseguiu criar uma estranha criatura dentro de um laboratório, e que trás a clássica pergunta “Quem é o monstro e quem é o homem?”, além de outros conceitos filosóficos, podemos destacar Mathilda, obra que trata de um romance incestuoso entre pai e filha e O Último Homem, uma ficção científica apocalíptica de Mary Shelley sobre um mundo futuro devastado por uma praga. Definitivamente, uma autora que vale a pena conhecer.

“Tudo, menos eu, estava em paz ou em alegria. Eu, como o arqui-inimigo, trazia um inferno dentro de mim. Encontrando-me incompreendido, desejei arrancar as árvores, espalhar ruína e destruição ao meu redor e, então, sentar-me e apreciar os destroços.” (Frankenstein)

*Alessandra Jarreta é estudante de Letras da UFC, mediadora dos clubes de Leitura Nordestina, Leia Mulheres, Leituras Feministas, Clube do quadrinho e Lendo Clássicos. Escreve quinzenalmente para o Leituras da Bel sobre Mulher e Literatura.

About the Author

Isabel Costa

Inquieta, porém calma. Isabel Costa, a Bel, é essa pessoa que consegue deixar o ar ao redor pleno de uma segurança incomum, mesmo com tudo desmoronando, mesmo que dentro dela o quebra-cabeças e as planilhas nunca estejam se encaixando no que deveria estar. É repórter de cultura, formada em Letras pela UFC e possui especialização em Literatura e Semiótica pela Uece. Formadora de Língua Portuguesa da Secretaria da Educação, Cultura, Desporto e Juventude de Cascavel, Ceará.

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