Por Taciana Oliveira

Foi aos dezenove anos nos corredores formados pelas estantes da saudosa Livraria Livro 7, no centro do Recife, que Clarice Lispector tomou posse dos meus sentidos. Água Viva me proporcionava ali um salto para o abismo. Mergulhei sem medo, fiquei “chapada” por uma narrativa intimista carregada de improvisos como uma composição de jazz. Era o pulsar, o respirar nas entrelinhas: “Escuta: eu te deixo ser, deixa-me ser então”.

Nos últimos anos tive o prazer de me aprofundar na vida e obra dessa mulher. E ao dirigir o documentário A Descoberta do Mundo pesquisei sua infância no Recife, fui ao seu apartamento no bairro do Leme, Rio de Janeiro, conheci seus amigos e familiares. Fiquei “íntima” de Dona Clarice, mas jamais terei a capacidade de defini-la.

Não sou nenhuma especialista em literatura, no entanto é fácil citar o enorme sucesso e impacto que sua obra provoca em leitores de todas as gerações e em várias partes do mundo. Em uma pesquisa rápida você pode encontrá-los na França, Argentina, Portugal, Estados Unidos, Grécia, Colômbia e Alemanha. Vale ainda ressaltar seu pioneirismo na construção de uma identidade feminista na literatura brasileira. Clarice se entregou com dor e prazer ao ofício de escrever em uma época que se contava nos dedos o número de escritoras atuantes no País.

Clarice Lispector

Nesse instante sou apenas uma leitora, uma fã, alguém que a admira e entende o quanto é perigoso “cortar os próprios defeitos”. Em dias tão estranhos em que o papel do artista e do educador é questionado, confesso que me tornei uma pessoa melhor desde que me banhei nessas águas. São quarenta anos do lançamento de A Hora da Estrela e da morte de Clarice Lispector. Nesse espaço de tempo tanta coisa mudou no País. Alguns sonhos concretizados, outros mutilados e enterrados à revelia. Viver continua apertado. Mas Clarice grita nos corações selvagens dos meninos e meninas que caminham nas ruas de uma nação fraturada: “Eu não aguento a resignação. Ah, como devoro com fome e prazer a revolta”.

Taciana Oliveira é formada em Comunicação Social: Rádio e TV, com pós-graduação em Artes: Cinema e Linguagem Audiovisual. É sócia-gerente da Zest Artes e Comunicação e integra o Selo Editorial Aliás. Dirigiu A Descoberta do Mundo, um documentário sobre Clarice.

About the Author

Isabel Costa

Inquieta, porém calma. Isabel Costa, a Bel, é essa pessoa que consegue deixar o ar ao redor pleno de uma segurança incomum, mesmo com tudo desmoronando, mesmo que dentro dela o quebra-cabeças e as planilhas nunca estejam se encaixando no que deveria estar. É repórter de cultura, formada em Letras pela UFC e possui especialização em Literatura e Semiótica pela Uece. Formadora de Língua Portuguesa da Secretaria da Educação, Cultura, Desporto e Juventude de Cascavel, Ceará.

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