Por Kah Dantas*

O tempo passava doido, voado. Mas era pãozinho de nata, era tapioca, cocada, cuscuz, sopinha, bruaca e mão cheirosa de suco de laranja e melancia, às vezes uma receitinha on-line, tudo para fazer tranquila a ansiedade.

É que tinha uma lonjura no meio dos dois, e pouco se resolvia essa miséria com foto de nudez, chamada de vídeo ou delícias textuais indecorosas. Ela queria ser era novidade. Ele dizia que era novidade sempre. E faltavam três dias para o encontro, separado do mais recente por mais de mês. E dava tempo de formatar o desejo? Dava!

Ela bronzeou o corpo com fita, dourou uns pelos, tirou outros, fez as unhas, arrumou o corte dos cabelos e escolheu vestir saia rodada, decisão que nunca serviria a mistério nenhum, mas é que era mais fácil de levantar na hora dos amores da chegada.

Ilustração: Fabiano Seixas Fernandes

Ele cortou o cabelo, mandou foto do resultado, posou assim meio de lado, fazendo meia careta, e explicou que era inspirado em jogador famoso de futebol.

Deixa mala, pega mala, “amor, saí”, “amor, cheguei”, eram tantas as miudezas, as mensagens de texto, as maneiras digitais de suspirar… E a cabeça ia avariada, cheia de imaginações úmidas e murmuradas.

Aqueles não eram mais espíritos para amores que, a distância, sobreviveriam de cartas e promessas. Eram espíritos aviadores, instantâneos e desesperadamente visuais, igualmente precipitosos na reunião carnal.

Eros trabalhava a 100Mb/s, mas a fremência do gozo era idêntica à original, quando amante e amante descobriram a morte e a ressurreição juntas, pela primeira vez.

E agora, encontrados no carro fechado, resvalavam suores abaixo. E se tivesse havido fôlego para digitar, no meio do alvoroço amoroso, certamente teriam feito declaração de amor, de natureza sinceríssima, aos tempos e a ambos:

“Amo vc, fdp”.

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Kah Dantas

Kah Dantas é cearense, professora e escritora. É autora do livro Boca de Cachorro Louco, tem alguns contos publicados e premiados em concursos literários e apresenta seus textos nos canais intitulados Conta, Kah!

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Fabiano Seixas Fernandes é ilustrador, tradutor e poeta. Fundador da tradizer: serviços de tradução. Entre 2012 e 2015, publicou o blogue pequeninos (poesia autoral); publica o podcast quase uma Bethania (recitação de poesia). Traduziu poemas de John Milton para o português (L’Allegro, Il Penseroso, excertos de Comus e Paradise Lost).

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