Ilustração: Jéssica Gabrielle Lima

Por Anna K Lima*

A folha de papel em branco nunca me assustou, pelo contrário: me desafiava! E poucas coisas me estimulavam quando pequena, medrosa que eu era. Mamãe contava – de forma tão bonita, tão doce! – o quanto eu passava horas brincando sozinha no quintal, eu e as folhas, eu e os cacos das telhas quebradas, eu e as pedras, eu e Clarinha, a cachorra de três patas. Aquele era o meu mundo: falar, ouvir vozes que eram minhas mesmas, eu conversava com o universo!

Nunca sei me comportar em livraria, biblioteca, sebo, defronte às estantes de livros, quase que paraliso. Eu não sei o que fazer, fico perplexa diante de tantas palavras e possibilidades. Quando tomo em minha mão algum exemplar, acaricio-lhe lentamente a capa, percebo elementos da gráfica: o papel, a impressão para fazer parecer veludo, a tinta verniz simulando maciez do rosto de quem escreveu aquilo tudo. Abro-o e cheiro profundamente a tinta gráfica, o odor das plantações inteiras de eucaliptos plantadas com essa possibilidade.

Aconteceu outra vez, estava eu lá paralisada, no meio de um Salão Internacional de Livro, centenas de milhares de oportunidades. Eu fingindo costume, amigas me pedindo dicas de leitura e eu com as mãos nos bolsos pensando nas minhas pedras, em meu quintal e em como ultrapassar todo aquele frio na barriga. Foi aí que parei estatelada, diante da prateleira infantil: ligue os pontos e venha colorir.

Outra vez, tenho sete anos e espero papai chegar no melhor dia do mês, quando se recebem os salários. Ele traz revistas e algumas contas pagas. Para os filhos, duas revistas, iguaizinhas para não haver disputa e entrega a cada um aquele pedaço de paraíso. Aí vocês já sabem o processo: fecho os olhos, faço carinho no papel, cheiro as páginas… O que vocês não sabem é como aquela sensação de ligar os pontos e ver se formando uma forma absurdamente nova de qualquer coisa me deixava apaixonada! Um elefante! Uma girafa! A Mônica! Um catavento!

Estou aqui, diante da estante com o livro “ligue os pontos”, emocionada, chorosa, saudosa e radiante: se eu buscava alguma resposta, algum porquê, alguma justificativa para seguir nesse caminho de aprender a me sustentar com minhas próprias pernas, dançar enquanto dói tudo aqui dentro e, ainda assim, segurar as mãos de mais e mais mulheres que – como eu, sangram e se doem, tal qual águas-vivas – e nos lançarmos ao mundo, da maneira mais bonita e viva que possamos ir, nesse momento, eu sei a resposta: ligue os pontos, construa uma nova coisa, seja uma ponte, uma escuta, um atrevimento, Aliás**.

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*Anna K Lima nasceu em Fortaleza, mas se espalha pelo mundo. É escritora: participou do Prêmio Ideal Clube de Literatura, Laboratório: Dois Pontos, Antologia Massanova e Metropolis. Autora de Claviculário. Publica em blogs seus textos e ideias. Integrou a Oficina Literária da FLIP de 2007. Escritora de cartas. Produtora cultural. Apaixonada pelo Cariri. Mediadora de oficinas literárias. Zineira.

**Aliás Selo Editorial é um movimento de nove mulheres que se dedicam a ouvir e pensar junto com outras mulheres possibilidades de estarem no mundo. Com força, delicadezas, cores e muito, muito significado. Publicação de livros, zines, revistas, cartazes, artes visuais e planilhas de excel afetivas.

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Colaboradores LDB

Colaboradores do Blog Leituras da Bel. Grupo formado por professores, escritores, poetas e estudiosos da literatura.

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