Por Lilian Martins*

No dia 19 de agosto de 1960, Carolina Maria de Jesus estreava na literatura com o seu Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada. O livro, organizado pelo jornalista Audálio Dantas (1929-2018), revolucionou a literatura brasileira ao trazer para o campo de poder, do espaço literário, o lugar de fala da mulher negra e favelada. Por essa razão, Quarto de Despejo é, até os dias atuais, um contradispositivo ao patriarcado, pois, ao que sabemos, é a primeira vez que uma mulher negra, pobre e emergente da favela pôde acessar o território do saber intelectual, do mercado editorial brasileiro, como protagonista e autora de sua própria narrativa, não apenas como objeto de estudo onde muitas das vezes é vista com inferioridade ou exotismo.

Carolina Maria de Jesus

Por isso, Carolina Maria de Jesus é considerada uma das primeiras e mais importantes escritoras negras do Brasil. Nascida em Sacramento (MG), em 14 de março de 1914, mudou-se para a capital paulista, em 1947, momento em que surgiam as primeiras favelas na cidade. Apesar do pouco estudo, tendo cursado apenas as séries iniciais do primário, ela reunia em casa mais de 20 cadernos com testemunhos sobre o cotidiano da favela em uma “narrativa tragicamente poética”, como cita o próprio Audálio Dantas no prefácio da edição popular de Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada.

Após o lançamento, seguiram-se mais três edições, com um total de 100 mil exemplares vendidos, tradução para 13 idiomas e vendas em mais de 40 países. Mas, agora, você deve estar se perguntado: e cadê a música nessa história toda? Pois bem, vou lhe contar! Em 1961, Carolina de Jesus lança um LP com o mesmo título de seu primeiro livro: Quarto de Despejo em que interpreta 12 canções de sua autoria, entre elas O Pobre e o Rico. Atualmente, o disco pertence ao acervo José Ramos Tinhorão, sob guarda do Instituto Moreira Salles.

Ouça O Pobre e o Rico de Carolina Maria de Jesus:

A escritora, nos anos seguintes, publicou ainda: Casa de Alvenaria (1961); Pedaços de Fome e Provérbios, ambos, de 1963. De acordo com o jornalista Audálio Dantas, todos esses títulos foram custeados pela própria autora e nenhum conseguiu vendas significativas. Após a morte de Carolina de Jesus, em 1977, foram publicados: Diário de Bitita (1982), com recordações da sua infância e juventude; Meu Estranho Diário e Antologia Pessoal, ambos, de 1996.

O raro disco “Quarto de Despejo” foi gravado pela RCA Victor e todas as composições são de autoria de Carolina de Jesus, bem como interpretadas por ela. Integram também a produção, o Maestro Francisco Moraes nos arranjos e Júlio Nagib na direção artística.

Ouça na íntegra Quarto de Despejo de Carolina Maria de Jesus:

Aumenta o som e Boas Leituras!

*Lílian Martins é jornalista, tradutora, professora, pesquisadora e militante em Literatura Cearense. Mestre em Literatura Comparada pela UFC com a dissertação: “Com saudades do verde marinho: O Ceará como território de pertencimento e infância em Ana Miranda”, vencedora do Prêmio Bolsa de Fomento à Literatura da Fundação Biblioteca Nacional e Ministério da Cultura (2015) e do Edital de Incentivo às Artes da Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor) em 2016. É uma apaixonada por rádio, sebos, pelos filmes do Fellini, os poemas de Pablo Neruda e outras velharias…

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Colaboradores do Blog Leituras da Bel. Grupo formado por professores, escritores, poetas e estudiosos da literatura.

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