Por Bruno Paulino*

“No caminho antes, a gente precisava de atravessar um rio inventado. Na travessia o carro afundou e os bois morreram afogados. Eu não morri porque o rio era inventado.”                             (Manuel de Barros)

 

Manuel Bandeira – o habitante de Pasárgada – relata num poema que teve seu primeiro alumbramento ao ver um uma moça nuinha num banho. Creio que o meu primeiro alumbramento – palavra bonita! – ainda menino, não teve nada de erótico, mas, no entanto, foi também intensamente lírico e se deu na travessia de um rio.

Manuel Bandeira

Foi um dia quando fui visitar minha avó, um dia vibrante de sol vivo e céu azul.

Era costume quase todos os fins de semana irmos visitá-la, mas para isso era preciso atravessar o rio Quixeramobim, que nesse tempo estava dando com a água na canela.

Noutras épocas de rio cheio fazia-se a travessia de canoa.

Menino afoitado – a pés ou de canoa – eu achava a travessia uma verdadeira aventura, como se fosse um personagem de desenho animado desafiando os pântanos das selvas amazônicas.

Então, naquele dia de águas poucas, enquanto segurava a mão de minha mãe na travessia do rio, de repente olhei para baixo e vislumbrei os meus pés na limpidez da correnteza que corria fraquinha e perdi-me em devaneios. Fiquei bestando como costumava dizer a boa gente sertaneja.

O rio indo, seguindo seu curso, me atravessando…

E eu parado.

Vez em quando tenho ainda nos dias de hoje a sensação que estou ali, com os pés dentro do rio, escutando os passarinhos cantando nos galhos das oiticicas e o coração batendo velozmente ao ouvir minha mãe arreliada dizer: “- acorda pra vida, menino!”.

 

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Bruno Paulino é cronista e aprendiz de passarinho

 

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Colaboradores LDB

Colaboradores do Blog Leituras da Bel. Grupo formado por professores, escritores, poetas e estudiosos da literatura.

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