Por Bruno Paulino*
O escritor Airton Monte disse certa vez numa crônica que o cearense é um animal que bebe. É, de fato, o cearense um ser etílico por natureza. Em Quixeramobim, cidade do interior, na falta de outros entretenimentos como cinemas e shoppings, para passar o tempo, preferencialmente bebemos. E todo boêmio que se preze tem um bar preferido. O meu bar preferido no mundo inteiro é o Bar do Brasil, lugar que tem a vista privilegiada de um dos pontos turísticos mais bonitos da cidade, a centenária ponte metálica. É onde costumo passar quase que religiosamente minhas manhãs e tardes de sábado.
O Bar do Brasil é tocado por Fernanda e seus familiares. Dé, o principal atendente, pois não é garçom, tem o apelido de “delicado”, pela sua nada simpática forma de atender. É um Bar tradicional, ou bar “raiz” como costumam dizer hoje. Tem uma “bilharina” e um longo balcão de madeira. Não tem maiores atrativos. O tira-gosto quase sempre é artigo raro, e, às vezes chega a faltar cerveja – quando isso acontece os papudinhos mais assíduos compram o precioso liquido noutro estabelecimento e levam para beber lá, tudo pelo prazer de estarem ali reunidos conversando miolo de pote ou coisa séria.
No Bar do Brasil se debate sobre qualquer coisa: das banalidades do cotidiano da cidade à filosofia de Marx e Hegel. Embora a banalidade quase sempre ganhe da filosofia nesse aspecto. Sempre rola uma festa de vinil ou discotecagem nas noites do fim de semana ou véspera de feriado. E nos sábados pela manhã o prof. Neto Camorim costuma montar um sebo literário. O ambiente é frequentado por professores, advogados, operários, artistas, artesões, radialistas, desocupados, porteiros, chapeados, transeuntes, anarquistas, rebeldes com e sem causa, vendedores ambulantes, psicólogos, intelectuais, pseudo-intelectuais, e claro, por cachaceiros profissionais. Felizmente, a presença feminina é tanto quanto a masculina.
Não é exagero dizer que o Bar do Brasil é hoje uma espécie de patrimônio imaterial da cidade, pois é de lá que se pensa e se organizam as principais ações culturais de Quixeramobim, e onde – num pacto de resistência – ainda é possível beber ouvindo boa música. Num breve histórico: antes de ser Bar do Brasil, o lugar abrigou o “Bar do Genésio” e recebia basicamente trabalhadores informais que vindo da lida no fim do dia, na volta para casa “no outro lado do rio”, paravam ali para tomar umas e jogar na “bilharina”. O Genésio se aposentou e depois foi o “Bar da Dona Rita” que tomou ponto. É na gestão da dona Rita que o bar começa a ser frequentado por uma turma de jovens em busca de um espaço alternativo de socialização. E por último, ficou o Bar do Brasil que abriga essa diversidade toda que já citei. E nisso se faz incalculável a quantidade de anedotas e causos oriundos do bar, coisa que daria um livro facilmente.
Assim sendo, uma das histórias mais conhecidas do recinto é de quando apagaram o Fagner. Explico. Quase todo mundo, cerca 99,9% dos frequentadores do local é de esquerda. O bar em sua faixada tem a pintura destacada dos principiais artistas do movimento musical “Pessoal do Ceará”, a galera que costumamos ouvir com mais frequência: Amelinha, Ednardo, Fausto Nilo, Belchior e o Fagner. Eis que durante a campanha presidencial de 2018, o cantor de “borbulhas de amor” declarou voto “naquele que não deve ser nomeado”. Não deu outra, no mesmo dia a turma apagou a pintura do Fagner da faixada com insultos que prefiro não publicar.
Mas, enfim, é como cantou nosso poeta maior, Fausto Nilo, na música Quixeramobim: eu acho graça é da cachaça que você me deu…
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Bruno Paulino
É cronista e aprendiz de passarinho
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Crônica sensacional, me vi presente, pois sou um dos frequentadores assíduo dos fins de semana no bar do Brasil juntamente com meus colegas professores claro, Bruno Paulino, Ciro Barbosa, Rondinele Rodrigues entre outros citados pelo amigo e cronista Bruno.