O debate em torno da iniciativa da Petrobras em criar um blog – Fatos e Dados -, no qual vem antecipando as respostas que dá aos jornais e confrontando o material depois publicado, vem se aprumando.

Depois que a turma que acusa os jornais de “partido da imprensa golpista” se digladiar, com o costumeiro baixo nível, com aqueles que os chamam de “petralhas”, duas análises, que reproduzo nesta postagem,  põem as coisas em patamar mais elevado, isto é, do debate de ideias.

Em dois posts que publiquei sobre o assunto – nos quais exponho minha opinião sobre o caso – busquei fazer o mesmo.  Mas, reconheço, os dois colegas blogueiros, cujos textos reproduzo, fizeram melhor.

Pedro Doria, do Weblog,  diz que  “não é ilegal e nem antiético” o que a Petrobras vem fazendo, mas considera “má assessoria de imprensa” o fato de a estatal divulgar antecipadamente a resposta que dá aos jornalistas.  Ao mesmo tempo diz que a imprensa brasileira vem perdendo a credibilidade aos olhos dos leitores, e que os jornais tem que tomar uma atitude urgente se quiserem mudar a situação.

Carlos Castilho, do Código Aberto, diz que a Petrobras está fazendo o que “já é rotina” em empresas e órgãos públicos nos Estados Unidos. Para ele, “a irritação dos jornais vem do fato de que o blog da Petrobras permite uma comparação entre o que a empresa forneceu aos jornalistas e o que foi publicado. Com isto é possível identificar erros de contexto, omissões e equívocos de transcrição”.

  Veja a íntegra dos textos de Pedro Doria e Carlos Castilho.

  • A Petrobras e a imprensa golpista

8/6/2009 – Pedro Doria / Weblog

Na semana passada, acompanhei atento a conversa entre dois amigos – Sergio Leo e Idelber Avelar – sobre a “imprensa golpista”. Neste domingo, recebi não um, não dois – mas oito emails me perguntando se existe a instituição do “sigilo de pergunta” de jornalistas. Trata-se, evidentemente, do já polêmico blog da Petrobras. Os dois assuntos estão relacionados.

Antes de tudo: não, não existe sigilo de pergunta. A Petrobras, ou qualquer empresa, tem o direito de tornar públicas todas as perguntas que recebe de repórteres. Não é nem ilegal, nem antiético.

É só má assessoria de imprensa.

A Petrobras decidiu comprar uma guerra contra os jornais, quebrando seus furos. Tem o direito, evidentemente. Do ponto de vista político, escolheu o alvo errado. Não é a imprensa que está em guerra contra a Petrobras. Quem pôs a Petrobras no centro do picadeiro foi a oposição ao governo federal, com o objetivo de fazer chantagem política. A diretoria da Petrobras talvez esteja convencida de que a grande imprensa e a oposição política são a mesma coisa. Mas não são – são bichos com interesses absolutamente diferentes.

Se o único objetivo da Petrobras fosse realmente transparência, era muito simples resolver: publica perguntas e respostas logo após os jornais levarem ao ar suas informações exclusivas.

O pior que uma empresa de assessoria de imprensa pode fazer para seus clientes é perder a relação de confiança com repórteres e editores. Essa confiança, afinal, é o que a sustenta. Lição básica que quem é do ramo conhece. Se pode fazer algum sentido a curto prazo – os suspeitos de sempre vão elogiar, afinal – a médio e longo prazo, tem gente arruinando a própria reputação.

Mas esta é uma questão acessória.

A questão real, a discussão principal da qual esta polêmica é só um capítulo, é a relação entre imprensa, empresas, governo e público. Estou longe das redações, então não sei como essa discussão está sendo encarada nas diretorias. Se eu tivesse que chutar, apostaria que ninguém está percebendo: a credibilidade da imprensa brasileira está lentamente sendo minada.

Isso aconteceu aqui nos EUA alguns anos atrás e marcou o início da crise da indústria. Aqui foi igual, mas trocaram os sinais: a imprensa era acusada de estar a serviço da esquerda – the liberal media – e os cães de ataque do governo Bush, no rádio e na Internet, fizeram de tudo para derrubá-la. Some-se o bombardeio a uma série de erros cometidos nas redações, de Dan Rather na CBS ao New York Times, e pronto.

Aqui no Brasil é igual. Quem tem o poder político acusa a imprensa de estar a serviço da oposição e erros da própria imprensa colaboram para a ilusão. A diferença é que no Brasil a grande imprensa não se manifesta. Continua a tocando sua vida como se não houvesse um bode no meio da sala.

Ela ignora o problema porque acredita que as acusações são isoladas – uma meia dúzia de blogueiros que perderam seus empregos nas grandes redações e a outra meia dúzia que os segue. A questão é que a acusação de que a imprensa é partidária ressoa perante o público. Muitos dos leitores, inclusive aqueles mais atentos, acreditam que o trabalho jornalístico está a serviço de interesses que não são, necessariamente, os do público.

A crise que a imprensa vive hoje nos EUA começou assim.

Depois, quando a estrutura de financiamento da indústria começou a ruir, a grande imprensa precisou argumentar sobre sua importância para a democracia. A questão é que os leitores não acreditam. A imprensa dos EUA vive sua maior crise de credibilidade na história justamente na época em que mais precisa de credibilidade.

A imprensa brasileira deveria começar a atacar essa questão agora. As empresas que prestam assessoria de imprensa para a Petrobras podem estar cavando a própria cova no futuro mas, desatenta, a grande imprensa não percebe que a ação de hoje faz parte de um contexto que ameaça sua existência.

Para garantir sua sobrevivência no futuro, os grandes veículos de imprensa no Brasil precisam começar imediatamente um processo de conversa com os leitores. Devem apostar radicalmente na transparência de seus processos internos. Não podem apostar que os leitores confiarão apenas pelos seus olhos: têm que ganhar a confiança.

Não estou, aqui, dizendo que todos os veículos fazem jornalismo de primeira ou que erros não tenham sido cometidos. E é claro que devemos discutir cada um dos erros. Aliás: é justamente pela discussão e admissão aberta e franca, pela imprensa, de seus próprios erros, que passa a solução. A instituição imprensa é fundamental para a democracia e alguém tem que fazer jornalismo que não seja partidário. Se quem faz não é percebido assim, há um problema de comunicação que precisa ser imediatamente corrigido.

Atualização – À moda da imprensa norte-americana, e para fazer jus à transparência que cobro, devo dizer que – como muitos brasileiros – tenho ações da Petrobras, portanto pode-se argumentar que tenho interesse financeiro direto no sucesso financeiro da empresa. Acaso alguém dentre os leitores não o saiba, sou colunista do jornal O Estado de S. Paulo. Fui colunista da Folha de S. Paulo, já escrevi para alguns títulos da Abril e fui funcionário tanto da Rede Globo quanto da GloboPar. Quando falo sobre a grande imprensa, portanto, falo de dentro, com todas as vantagens (informação sobre como funciona) e desvantagens (me paga o salário) que possam haver.

  • Petrobras entra na blogosfera e enfrenta oposição de grandes jornais

8/6/2009 – Carlos Castilho / Código Aberto

A Petrobras resolveu fazer aquilo que nos Estados Unidos já é uma rotina, até mesmo por parte de órgãos do governo federal. A empresa ingressou na blogosfera ao montar um blog no qual publica a íntegra de seus comunicados e entrevistas fornecidos à imprensa.

Os jornais O Globo e Folha de S.Paulo foram os que mais reagiram à iniciativa da empresa que resolveu usar ferramentas digitais para transformar-se num canal de comunicação, a exemplo do que já ocorre com a maioria das grandes empresas nacionais e internacionais.

A irritação dos jornais vem do fato de que o blog da Petrobras permite uma comparação entre o que a empresa forneceu aos jornalistas e o que foi publicado. Com isto é possível identificar erros de contexto, omissões e equívocos de transcrição.

O jornal O Globo publicou no domingo (7/6) uma matéria intitulada “Petrobras usa blog para vazar informações obtidas por jornalistas”, na qual acusa a empresa de quebra de confidencialidade ao publicar, além das respostas, também as perguntas feitas pelo repórter.

A polêmica entre jornais e a Petrobras acontece no contexto da batalha político-partidária entre governo e oposição em torno da CPI que investigará as atividades da empresa. Mas ela tem um alcance mais amplo ao introduzir o princípio da transparência nas relações entre fonte de informação e jornalistas.

Esta prática já é antiga nos Estados Unidos – onde é comum órgãos do governo, como o Departamento de Justiça e o Departamento de Defesa (DoD – Department of Defense ou Pentágono), publicarem em seus blogs a íntegra de declarações prestadas à imprensa pelos respectivos secretários ou por porta-vozes oficiais. O mesmo acontece com grandes corporações privadas como a General Motors.

Sem entrar no mérito das acusações dos jornais e da defesa da Petrobras, fica evidente que a imprensa não digeriu o blog Fatos e Dados porque ele abre espaço para a ampliação da transparência nas relações dos veículos de comunicação com a sociedade. Agora, qualquer pessoa física ou jurídica tem a possibilidade de usar a Web para acessar a opinião publica diretamente, sem passar pelo filtro da mídia.

Prova disto é que o blog da Petrobrás, cuja primeira postagem foi feita no dia 2 de junho, já foi visitado por quase 74 mil pessoas com uma média de 40 comentários por texto, considerada alta para os padrões da Web brasileira. O blog usa um sistema gratuito de publicação e hospedagem.

Pelo teor dos comentários feitos até agora dá para perceber que o Fatos e Dados vai se transformar também numa arena de debates entre pessoas comuns, à medida que a Petrobras for transformada num cavalo de batalha entre governo e oposição na campanha pelas eleições presidenciais de 2010.

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