A matéria no O POVO “Chorão: acordem a vizinhança'”, sobre o show da banda Charlie Brown Jr., no Parque do Cocó em Fortaleza, rendeu este comentário da ombudsman, Rita Célia Faheina: “Palavrões e frases chulas”.
E o artigo que escrevi para a edição de hoje do jornal. A íntegra abaixo:
O show business e o jornalismo
Plínio Bortolotti
A ombudsman Rita Célia Faheina, em sua coluna de domingo, reproduz trecho de uma crítica interna que faço aos editores e que, a rigor, não deveria ir a público, pois a distribuo para uma lista restrita.
Eu comentei matéria sobre show do grupo Charlie Brown Jr. (edição de 27/7), em que o líder da banda, um indivíduo apelidado “Chorão”, xinga a vizinhança do Parque do Cocó e incentiva seus “fãs” à violência por meio de palavrões. Segundo a matéria, ao comando de Chorão, o público se agitava, arremessando garrafas no meio da multidão.
O trecho reproduzido do meu comentário foi este: “Os leitores do O POVO merecem um texto decente, a vizinhança tem o direito de, no mínimo, não ser xingada”. (Deve bastar a agressão do barulho e a imundície que os jovens bem nascidos deixam no parque do Cocó a cada show que lá acontece.)
O centro da crítica não eram os palavrões, reproduzidos por extenso (que também considerei indevido), mas a forma acrítica – a meu ver – como os acontecimentos foram relatados.
A ombudsman consultou o professor Gilmar de Carvalho, que fez preleção sobre o “show business”, dizendo ser este o mundo “dos estados alterados de consciência”; que “público e artistas bebem e usam drogas”; que cabe ao jornal dizer o que aconteceu “sem censuras” – e conclui: ” [Temos] liberdade, inclusive, para vermos shows idiotas e sermos agredidos de graça pelo lixo da indústria do entretenimento”.
Ok, mas, tirante o que ele fala sobre o relato jornalístico, o restante nada tem a ver, diretamente, com a matéria, objeto da discussão.
O professor, pelo menos na reprodução da ombudsman, parece confundir censura e edição. Há vários modos de dizer a mesma coisa, com veracidade, sem que seja preciso descer ao nível da sarjeta.
Existe diferença entre a reprodução gratuita de palavrões ditos em um show, com incentivo à violência, e um texto crítico sobre o assunto – sem ser moralista. Se o “show business” tem a consciência alterada; o jornalismo tem de ser o esforço de manter a cabeça no lugar.
PS. O show foi patrocinado pelo governo do Estado.
Porventura o braço do governo responsável pelos eventos de férias não sabia que o artista em questão tem essas manias?
Difícil não saber.
Para isso o dinheiro está reservado, enquanto que os propedeutas têm que se valer da greve para pelejar por seus direitos e melhorias da educação.
Ainda está ativa a política panis et circenses.
Feliz cada novo dia…
Há de se ter liberdade, como disse o Prof. Gilmar, de ir a espetáculos ‘idiotas’, mas isso como pessoa individual. Quando se trata de uma publicação, antes de qualquer coisa, está o respeito pelo leitor. Reproduzir tidos palavrões é agredir o leitor, tal como a banda o fez com sua platéia.
Quando vi o anuncio dos shows do Governo do Estado para a programação de férias, com o nome do Charlie Brown Jr., fiquei matutando de quem foi essa idéia de jerico. Além de serem mal educados, os rapazes fazem uma música ruim. Não é exatamente a atração ideal para uma programação cultural institucional, paga pelo contribuinte. Enquanto isso, dentro da mesma programação, o conserto do pianista Arthur Moreira Lima teve um público pequeno para a grandeza do artista. Talvez pelos descuidos na divulgação, que até a última hora se dividia entre o Parque do Cocó e a Praça da Imprensa.
Achei o texto bom. Um pouco romanceado, num mundo onde garrafas voando não atingem ninguém e onde brigas são fatos menores em relação a uma festa maior, mas bom. Poderia estar inclusive num portal do Governo do Estado, bem institucional, talvez não por causa dos palavrões.
Não veria problema em ele começar o texto apenas com “No palco, Chorão, vocalista da banda Charlie Brown Jr., convoca o público que se espreme no Parque do Cocó a acordar a vizinhança”, tal como está no título. Se há o pudor no título, por que não no texto?
Não vi as ironias que o repórter cita ao se defender, tampouco qualquer crítica à contradição que é o próprio artista – rebelde de classe média.
Enfim, é uma resenha, uma visão parcial, opinativa, de um repórter que compareceu a um show e curtiu bastante. A gente pode até não concordar com ele, que na verdade o artista seria um grande idiota e o público que o segue vai na mesma linha, mas acho que o texto, com palavrões e tudo, deu pra ter uma boa ideia do que foi o evento.