James Murdoch já encontrou o culpado pela crise que a imprensa comercial vem enfrentando mundo afora: o jornalismo público, mais especificamente a BBC, rede pública de rádio e TV do Reino Unido.
Ah sim, James Murdoch é o principal executivo da News Corp., umas das maiores corporações de mídia do mundo. Por acaso, ele também é filho de Rupert Murdoch, cujo nome vem sempre acompanhado do aposto “magnata das comunicações”. O filho falou no Festival de Televisão de Edimburgo, Escócia – um dos países da Grã Bretanha, logo do Reino Unido.
Mas por que James Murdoch acha que a “BBC de Londres” é a culpada pela queda dos lucros de suas empresas? Nas próprias palavras dele: “É essencial para o futuro do jornalismo independente digital que um preço justo seja cobrado por notícias que as pessoas valorizam […] “A expansão do jornalismo patrocinado pelo Estado é uma ameaça à pluralidade e independência dos provedores de notícias”.
É isso mesmo que vocês leram. O jornalismo público é uma “ameaça” à independência do próprio jornalismo. De acordo com o magnata júnior, a BBC estaria sendo o problema por permitir que seu conteúdo seja acessado de graça, enquanto outros canais tentam cobrar pelo serviço.
A revolta talvez sejam porque a Sky, do grupo News Corporation, só no último ano, perdeu 3,4 bilhões de dólares, informação divulgada no site da BBC. De acordo com James Murdoch, o ano de 2009 “foi o mais difícil na história recente”.
Seguinte:
1. Há um erro de princípio em culpar a BBC pela queda no lucro da imprensa comercial; o problema é estrutural e não tem uma única causa. Se assim fosse, onde o jornalismo público é frágil ou inexistente, a imprensa comercial não deveria estar em crise.
2. O jornalismo da BBC não sai “de graça” os cidadãos britânicos pagam por ele, uma taxa de aproximadamente R$ 350 por ano, cobrada de todos os que têm um aparelho de TV.
3. Ainda que fosse verdade que o jornalismo público reduz o lucro da imprensa comercial, não seria motivo para extingui-lo. Ao contrário do que pensa James Murdoch, o jornalismo público, em qualquer circunstância, é um fator de aumento da diversidade e da pluralidade – e não o inverso.
4. A parte procedente na fala de Jame Murdoch é o debate que ele levanta sobre a necessidade de cobrar por acesso ao material jornalístico. Com o surgimento da internet, houve uma queda brutal nas receitas do jornalismo impresso – que atingiu mais os países da Europa e os Estados Unidos -, sem que o lucro auferido na internet compensasse a redução. Agora, não se pode obrigar as redes públicas a seguir o mesmo caminho – mesmo porque ele não é único.
Cobrança
A News Corporation anunciou que começará a cobrar por seu conteúdo após os prejuízos que a organização vem enfrentando. Isso depois de, cerca de dois anos atrás, ter dito que o negócio seria sustentato pelo mercando, por meio de anúncios – sem que fosse preciso cobrar do leitor.
[São de propriedade da News Corporatian veículos como The New York Post, The Times, News of the World e The Wall Street Journal. Também é de sua propriedade a Dow Jones & Company, a Fox e de parte do site Hulu em parceria com a Disney. O The Wall Street Journal sempre cobrou pelo acesso, mesmo antes de Murdoch adquiri-lo, e era um um dos únicos modelos bem sucedido de site com conteúdo pago.]Assim
Parece claro que o ataque à BBC não é apenas uma questão monetária, mas ideológica. Essa é mais uma dos temas em que a direita se aproxima da esquerda. Enquanto um setor da esquerda sataniza a “imprensa capitalista”; seu equivalente da direita demoniza o jornalismo público, que eles devem considerar “socialista”.
[Ilustração: “O diabo sob medida II”, de Hélio Rôla]
O título correto, me parece, seria Esquerda ataca…
Há pouco tempo, li artigo no Guardian sobre a investida de Murdoch e do Partido Conservador sobre o Ofcom, órgão regulador das comunicações no Reino Unido.
Escrito por Polly Toynbee, o artigo se chama “A influência maligna de Murdoch” e fala sobre a relação já bastante conhecida entre grandes empresários e políticos. Um exemplo dado no texto: 10 dias depois do Ofcom condenar a Sky por práticas monopolistas, David Cameron discursou no Parlamento defendendo uma reforma no Ofcom que faria com que o órgão deixasse de ter “um papel na elaboração de políticas”.
Nesses momentos pré-Conferência Nacional de Comunicação, precisamos pensar justamente sobre isso. Grande parte dos sindicatos patronais saiu da comissão organizadora da Confecom justamente por quererem controlar as discussões e fugir do controle social desses serviços públicos. Acho que Murdoch busca inspiração em alguns empresários brasileiros; principalmente em um tal bispo.
> O texto da Polly Toynbee está disponível também no http://bit.ly/31t2lb