O escritor Airton Monte, cronista do O POVO, esteve nesta sexta-feira falando para a turma do curso Novos Talentos O POVO para estudantes de jornalismo. Encandeou-nos a todos, com sua verve, seu bom humor e suas certeiras palavras.
Deu-nos um emocionando depoimento de seu amor pelas palavras e uma ou duas lições para aqueles que se metem a escrever. Anotei uma coisa ou outra.
Dei-lhe um mote: “Por que escrevo?”
Ele diz que pensou bastante no tema, que passei-lhe por telefone cerca de 10 dias atrás; trouxe-nos uma “equação”:
1) Para obter conhecimento; 2) por Prazer; 3) pela emoção.
O que chamou de “tríade básica” para iniciar a conversa.
Escrever “me dá conhecimento e um certo controle sobre o mundo, que todos buscamos” [certamente falando o escritor e o psiquiatra].
Ao dizer que a escrita lhe dá prazer, descascou sobre os escritores que se queixam do ofício, sem citar nomes [eu soprei: Rachel de Queiroz]. “Ora, se escrever dói tanto, deixe de escrever e vá vender banana”. [Disse que mantém o hábito de escrever a mão, “com caneta de ponta preta”, em um caderno, para depois digitar o texto.]
Desperta a emoção, escrever, pois o escritor tem de “outrar” [descubram por vocês mesmos o significado do neologismo], sair do isolamento e se misturar à multidão.
Diz ter tido três grandes emoções que se igualam, as maiores de sua vida: “Quando saiu meu primeiro livro, quando possuí a primeira mulher e quando nasceu meu primeiro filho “. [Tirante o fato de o filho, obrigatoriamente, ter nascido depois dele conhecer – no sentido bíblico – a mãe da criança, não sei qual a ordem cronológica dos fatores.]
– “Escrevo porque eu não posso deixar de escrever; seria como deixar de respirar”.
Airton crê que escrever é um “dom natural”, parece crer piamente naquilo que alguns chamam de “inspiração”, na visita das musas.
“Algo me levou a gostar das palavras”. Dá algumas pistas de como isso pode ter acontecido: pela leitura que a mãe fazia dos poetas parnasianos [“parecia música”] e do hábito do avô de ler-lhe histórias: “Quando meu avô leu para mim, pela primeira vez, um livro de Monteiro Lobato, fiquei deslumbrado”.
– “O que faz um escritor é a infância, a memória da infância.”
“A boa literatura muda o leitor e muda o escritor”, crê Airton. “Se você quer saber os costumes de um tempo, não precisa ler os historiadores, leia os escritores”.
Disse-nos que fica atento às coisas aparentemente banais: “O escritor vê além do óbvio”. E ensinou alguns truques para ouvir conversas alheias em ambientes públicos, provocando risadas.
Lembrou que literatura e jornalismo estão sempre juntos.
Falou de sua compulsão por comprar livros e disse que a mulher dele costuma dizer que eles vivem uma biblioteca que tem dentro uma casa.
Airton Monte [Fortaleza, 1949] é médico psiquiatra formado pela Universidade Federal do Ceará [UFC]. Cronista do O POVO, redator de televisão, letrista, teatrólogo. A maioria de sua obra é constituída de contos e crônicas. Publicou “O Grande pânico” (1979), “Homem não chora” (1981), Alba Sangüínea (1983) e “Moça com flor na boca” (2005), adotado pelo vestibular da UFC.
Plínio, quando tiver oportunidade, eu vou dizer para o Airton Monte que, para ele, um médico-psiquiatra, além dos três motivos citados, escrever também é inerente ao seu ofício. Inclusive, direi que depois de doze anos de experiência clínica no HGF, que inclui a cooperação cotidiana com praticamente todas as outras especialidades médicas, eu observo que, diferentemente de todas essas especialidades, a escrita completa o ato psiquiátrico. Inclusive, também direi que, a partir dessa conclusão, eu costumo salientar para meus alunos internos e residentes do HGF (do mesmo modo dessas diversas especialidades) que “O saber escrever está para a Psiquiatria, como o ler um cardiograma está para a Cardiologia”.
PS. Certamente por isso é que no próprio O Povo escrevem (frequentemente) muitos psiquiatras: Airton Monte, Mourão, Valton, Cleto, Danúzio (de maneira rara, mas bastante honrosa),João Dummar Filho etc.