Utilizando técnicas de Reportagem Com Auxílio do Computador (RAC) e um criterioso trabalho investigativo, o jornal Gazeta do Povo, em parceria com a RPCTV, do Paraná, produziu uma série de reportagens, publicadas desde o dia 16 de março. As revelações deflagraram uma crise dentro da Assembléia do Estado, e geraram o afastamento de um dos homens fortes da casa havia mais de 20 anos, o diretor geral, Abib Miguel, e de seu braço direito, o diretor administrativo, José Ary Nassif, protestos de estudantes e a instauração de um inquérito da Polícia Federal para apurar as denúncias, além de investigações do Ministério Público e do Tribunal de Contas do Estado.

Intitulada “Diários Secretos”, a série se debruça sobre o descontrole na movimentação de funcionários dentro da Assembleia por meio da publicação de atos, num caso parecido com o dos atos secretos do Senado. Todo o trabalho, que durou cerca de dois anos, se baseou na organização de um banco de dados com informações encontradas em mais de 700 diários oficiais sem a devida publicidade. “O trabalho que fizemos pode ser reproduzido em qualquer Assembleia do Brasil, em qualquer Estado ou cidade”, diz a jornalista da Gazeta Katia Brembatti, uma das autoras da série.

Segundo a jornalista, o tema que se desenvolveria nas reportagens surgiu em julho de 2008 em decorrência do chamado “Escândalo dos Gafanhotos”, em que se descobriu que os salários de vários servidores eram pagos numa mesma conta, possivelmente de um laranja. Seguindo a denúncia, jornalistas foram atrás dos Diários Oficiais para checar a movimentação de funcionários da Câmara, mas não conseguiram encontrá-los na internet, na biblioteca pública ou na biblioteca da Assembleia Legislativa. “Nos perguntávamos: ‘Como um diário oficial não pode ser encontrado?’” E vimos que, se era tão difícil termos acesso, havia algo errado”, conta Brembatti. Além dela, também trabalharam no projeto Karlos Kohlbach, da Gazeta, James Alberti e Gabriel Tabatcheik, da RPCTV, que faz parte do mesmo grupo de comunicação.

Diante das dificuldades, a equipe começou a buscar os Diários de outras formas, como fontes dentro da Assembleia. De 2008 a 2009, conseguiram juntar 724 diários oficiais, que eram até então mantidos em grande parte nos arquivos da Assembleia, onde só poderiam ser consultados com autorização do diretor-geral Abib Miguel, acusado de envolvimento na contratação de mais de 20 servidores fantasmas. “De 2006 para cá, temos certeza de que temos todos os diários numerados”, diz Brembatti. Além desses, existem também os chamados “diários avulsos”, responsáveis por mais de 50% dos atos da casa, e que não contam nem ao menos com numeração, diminuindo ainda mais o seu controle.

Abraji

O desafio era, então, lidar com a enorme quantidade de informação a que passaram a ter acesso com os Diários. A jornalista já tinha aprendido algumas técnicas para organizar bancos de dados no Congresso da Abraji [Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo] de 2008, realizado em Belo Horizonte.  Segundo a jornalista, quando o banco sobre os diários secretos estava sendo feito, José Roberto de Toledo, coordenador de cursos e projetos da Abraji, foi chamado para ministrar o curso de RAC (Reportagem com Auxílio do Computador) aos jornalistas da Gazeta do Povo. “Aproveitamos para tirar várias dúvidas”, conta.

Repercussão

Brembatti conta que foi surpreendida pela recepção ao trabalho, que temia ser demasiado “árido” para o público. Com a manifestação dos leitores, ela pode ver “o quanto é importante investir em qualidade, muitos leitores disseram ‘dá gosto de financiar um trabalho desses’”. Quando tiramos um repórter do dia-a-dia e mandamos para uma reportagem investigativa, tem um retorno de qualidade, e os leitores percebem”, diz. [Reproduzido do portal da Abraji, trechos, grifos meus.]

“Por dentro dos Diários Secretos”. Clique aqui para ler a série.