Meu artigo semanal publicado na edição de hoje (14/10/2010) do O POVO.
Eleições, religião e o peixe na água
Plínio Bortolotti
Chegou a nível inaceitável o tom de religiosidade da campanha à Presidência da República. José Serra (PSDB) parece candidato a papa; Dilma Rousseff (PT) se esforça para parecer uma beata.
Quem trouxe o tema à arena foi o PSDB, ainda que Serra diga que o assunto surgiu “naturalmente”; o argumento dele convencerá quem acredita em trololó, para ficar na linguagem do próprio candidato.
O tom fundamentalista da gritaria passa longe do modo pacífico como o brasileiro convive com as mais diversas crenças – tirante alguns arroubos dos neopentecontais que, de vez em quando, gostam de chutar a santa ou de agredir gratuitamente religiões de origem africana.
O que se precisa saber dos candidatos são suas propostas para o país e não suas convicções sobre temas que cada um deve resolver com sua própria consciência, apegando-se a seus valores, espirituais ou não – pois ninguém deve ser obrigado a crer.
Os ateus e agnósticos não têm defeito congênito que os faz menos humanos ou menos bondosos do que os crentes. Há muitos ateus muito mais próximos dos ensinamentos de Jesus do que certos hipócritas que se preocupam com a forma e se esquecem da essência dos ensinamentos do Cristo.
No meu blog [veja aqui] comento o livro “Peixe na água”, de Mario Vargas Llosa, prêmio Nobel de Literatura este ano. Ele aborda os dias de campanha quando foi candidato a presidente do Peru (em 1990), uma parte menos comentada de sua biografia.
Vargas Llosa relata como temas religiosos e pessoais ganharam precedência sobre o debate de propostas. Acusavam-no de ateu (ele é autodeclarado agnóstico) de “pornógrafo” por seu livro “Elogio da Madrasta” e de “incestuoso”, por ter-se casado, na juventude, com a irmã da mulher de um tio, história que ele conta ficcionalmente no livro “Tia Júlia e o escrevinhador”.
Quem ganhou aquelas eleições peruanas foi o engenheiro foi Alberto Fujimori. Quem quiser saber alguma coisa mais dessa triste figura, basta pôr o nome dele no Google.
Na mosca.. Para os anais…..
Muito bom o artigo. farei trackback. Porém, o jornal O Povo de hoje reforça a questão quando na pág 19 publica uma página inteira com a questão do aborto sem trazer nada de novidade.
Concordo que o nível da campanha nesse 2º turno tenha descido até o subsolo. Apesar disso, julgo que o artigo foi bem falho. Primeiro, dizer que o povo brasileiro convive pacificamente com as diversas crenças é querer enfeitar demais a realidade. A verdade é que o brasileiro, de um modo geral, não é um povo religioso – no sentido de realmente praticar sua religião – e portanto não dá tanta importância a qualquer discussão religiosa. No entanto, religiões como as de ascendência africana são muito estigmatizadas e são muitos ainda os casos de terreiros que recebem batidas da polícia e seu espaço sagrado é profanado e destruído! E o fenômeno do pentecostalismo, seja ele católico ou protestante, cresce bastante e cada vez mais passa a causar interferência dos princípios cristãos no ordenamento do Estado e da sociedade! A campanha do 2º turno não é feita no vácuo. Existe uma grande parcela da população que tá decidindo o voto com base nessas discussões.
Excelente. Exatamente o que eu sempre pensei. Bom saber que um alguém letrado consubstancia em palavras um imaginário (meu) que vem sofrendo represálias por muitas pessoas ditas de fé. Sou católica, mas demos a César o que é de César.