Meu artigo publicado na edição de hoje (3/3/2011) do O POVO:
Quando o trabalho deseduca
Plínio Bortolotti
Durante um bom tempo eu achava bom que a pessoa começasse a trabalhar bem jovem. Eu mesmo fui um desses meninos que começaram a trabalhar ainda de calças curtas (sim, naquele tempo de usava calças curtas até os 14 anos de idade). Achava que isso dava tutano e experiência para enfrentar as adversidades que a vida nos apresenta.
Hoje, confesso para vocês – além da ignomínia que é ver crianças pedindo nas ruas ou arrastando um carrinho de lixo – me choca quando vejo rapazes pegando pesado para ajudar a família a garantir o pão de cada dia.
A primeira coisa que penso é: mais um talento perdido: servindo mesas, empacotando mercadorias ou “pastorando” carros. Esses meninos, certamente, são filhos de pais batalhadores, que devem ter dado um duro danado para mantê-los longe das drogas, a salvo da bandidagem e da polícia – e principalmente, vivos.
E, quem são os jovens pressionados a trabalhar cedo? Todos, indistintamente? Não. Apenas os jovens pobres têm de se submeter à “educação do trabalho”, pois, “uma hora dessas, jovens de classe média estão no cinema, em casa na internet, no teatro, estão lendo, tendo acesso a outras culturas”, como disse Preto Zezé (presidente nacional da Cufa) em entrevista à seção Páginas Azuis do O POVO.
Ou como escreveu recentemente neste jornal a assessora Jurídica do Cedeca, Nadja Furtado: “Por trás [da ideia que o jovem está obrigado a trabalhar], está uma concepção discriminatória da juventude, especialmente a pobre, tida como potencialmente perigosa”.
O preconceito que empurra o jovem pobre precocemente para o trabalho – presente no discurso de um amplo segmento das classes médias – persiste também nas periferias. “Na comunidade, quem não trabalha logo é vagabundo” e “as notas que você tira [na escola] não dão a mesma empolgação do que o dinheiro que leva para casa”, nos ensina Preto Zezé.
Se quisermos um país melhor e menos desigual, este é um dos assuntos obrigatórios da pauta de debates.
Acho que existem trabalhos e trabalhos, mestre Plínio. Acredito que condenar em bloco o trabalho do adolescente acaba jogando o bebê fora junto com a água da bacia.
Eu comecei a trabalhar aos 14 anos, como digitador num curso de inglês. Nos intervalos, conversava com os professores, que me emprestavam material didático e matavam eventuais dúvidas. Depois, fui estagiário na Polícia Civil do RS, alimentando o banco de dados com ocorrências policiais. Aos 17, trabalhei como contínuo de um escritório de contabilidade. Aos 18, já começando a faculdade, virei contínuo de um jornal.
Numa avancei bastante no meu aprendizado de inglês (autodidata com helpdesk?), na outra fiquei fascinado por bancos de dados, na outra conheci a cidade como a palma de minha mão e também aprendi um pouco sobre como funcionam as empresas. E nada me tira da cabeça que lá entre 1995 e 1999 aprendi mais sobre jornalismo no jornal onde trabalhava do que na faculdade.
Cada uma dessas experiências trouxe acréscimos importantes à minha formação, e não sei se hoje eu faria o que faço se não fosse por elas.
A questão é: existem trabalhos que colaboram com a formação de um jovem. E existem trabalhos que são mera exploração braçal. Condenar todo trabalho em bloco é muitas vezes mais fácil do que fazer as distinções e orientar os jovens para que saibam fazê-las.
Caro Marcelo,
Agradeço a sua contribuição, sempre enriquecedora para o debate.
Abraço,
Plínio
Realmente,
o Plínio tratou da regra geral e com os cuidados de situações de carvoarias, canaviais, pedreiras, minas e outras tantas irregulares, nefastas.
Mas o Marcelo tem razão, também, porque há exceções. Lembro dos menores estagiários do Banco do Brasil, da Caixa Econômica etc. Jornadas de 4 horas e estudo formal no outro turno.
Há dias um jovem assassinou o pai e a mãe (São Bernardo) porque o pai ousou exigir que ele arranjasse emprego. É mais um sinal amarelo numa sociedade que perdeu o valor do trabalho como conquista civilizatória e janela para a cidadania. Difícil entender porque o trabalho vem sendo demonizado e criminalizado no Brasil, vez que é um excelente instrumento para educar (de verdade) os jovens na disciplina, respeito, entender o valor do dinheiro, estimular aspirações profissionais etc. Como nem todos podem ser filhos do Bill Gates, as desigualdades devem ser resolvidas de forma inteligente, mantendo o respeito aos direitos básicos dos cidadãos e conservando os valores caros à sociedade.