Meu artigo publicado na edição de hoje (22/9/2011) do O POVO.
Pau-de-arara: crime sem punição
Plínio Bortolotti
“Um menino de 10 anos de idade morreu no início da noite da última quarta-feira, no município de Alto Santo […], depois de cair de um veículo D-10, que era utilizado como transporte escolar para crianças da zona rural da cidade.”
“A precariedade dos transportes escolares fez mais uma vítima no interior do Ceará. […] Adalberto Chavier Félix, de 12 anos, morreu após cair de um caminhão pau-de-arara [em Monsenhor Tabosa]”.
O primeiro parágrafo foi o modo como iniciei artigo com o título Prefeitos põem crianças no pau-de-arara, publicado em 6/6/2010. No segundo parágrafo, reproduzo notícia publicada no dia 16 deste mês. Ambos trechos de matérias do O POVO.
Quando escrevi o primeiro artigo, anotei: “Infelizmente, não será a última vez que você lerá algo parecido, se as autoridades […] não tomarem medidas duras contra os prefeitos do interior, que continuam a utilizar caminhões e camionetes – veículos próprios para carregar animais – como transporte escolar no interior do Ceará”.
O parágrafo, devido à desídia das “autoridades”, permanece atual.
Um acidentes desses deveria levar o prefeito (ir)responsável a ser processado – e condenado por homicídio doloso. Esse tipo de crime não se restringe a quem teve a “intenção de matar” como muitos pensam. O artigo 18* do Código Penal estabelece que também comete homicídio doloso o agente que “assumiu o risco de produzi-lo”. (E aqui também não dá para entender porque o STF desclassificou como homicídio doloso aqueles decorrentes de acidentes no trânsito, mesmo tendo o motorista praticado as piores barbaridades.)
Um prefeito que põe dezenas de crianças em cima de um veículo inadequado para o transporte de estudantes está assumindo o risco de produzir um acidente fatal com esses estudantes.
A Assembleia Legislativa deveria votar lei proibindo o transporte de estudantes em paus-de-arara.
Não é possível que prefeitos, em suas reluzentes Hilux, não se envergonhem de uma situação dessas.
*Até às 15h45min do dia 23/9/2011 estava anotado, equivocadamente, o art. 15. Alertado por um leitor, fiz a alteração.
Ora, se o Estatuto da Criança e do Adolescente determina que é dever do Estado o oferecimento do ensino obrigatório mediante programas suplementares (PNATE”transporte”) constituindo o não oferecimento ou a sua oferta irregular em responsabilidade da autoridade competente (ECA art. 54. VII, §2º, §3º) nada impede que a realização de uma Campanha com o apoio do Ministério Público Federal, Estadual para que o Conselho Tutelar aponte juntamente com os pais ou responsáveis qual o modelo, a marca e as condições do transporte escolar disponibilizado pela autoridade municipal às crianças e adolescentes. Isso é algo absolutamente possível e necessário e que não depende da legislação de trânsito.
Sou “filho” da cidade de Alto Santo-CE, e como não poderia ser diferente, almejo o melhor para “minha” terra, para os meus concidadãos. O fato (ou fatalidade) noticiado nesse artigo jornalístico cuida de questão de substancial relevância, de sorte que não pode, de forma alguma, ser encarado como um simples e corriqueiro acontecimento do cotidiano.
Urge esclarecer, a priori, que não estou aqui a questionar gestão político-administrativa de “a” ou “b”, mas apenas e tão somente chamar a atenção para os graves e tormentosos problemas que acometem a grande parte dos Municípios em todo o Nordeste (ou em todo o País!).
É bem verdade que a falta de estrutura, de aparelhamento, de desenvolvimento (…) de determinados Municípios pode ser atribuída à ínfima verba a qual esse ente federativo se “beneficia”. Todavia, é mais verdade ainda que há um sem número de “Administradores” que não fazem o mínimo esforço no sentido de minimizar tais problemas.
O caos na saúde, transporte, educação (…) públicos, está instalado há muito em nosso País. No entanto, o cidadão não pode ser prejudicado por problemas dos quais não dá causa. Ao contrário, o cidadão, enquanto cumpridor dos seus deveres cívicos é (ou ao menos deveria ser!) o beneficiário imediato de todo e qualquer serviço público, e não vítima deste.
O triste e isolado fato articulado nesse artigo jornalístico, pode deixar de ser “um fato isolado” – o que já não é pouco – se providências não forem adotadas em caráter emergencial por aqueles que detêm o Poder.
Mais uma vida foi ceifada! Um jovem de tenra idade (10 anos) foi a vítima desta vez! Mais um pai e uma mãe que terão de conviver com a malfadada DOR da perda de um ente querido até o último dia de suas vidas, por inquestionável culpa do Poder Público.
Eis a indagação: até quando teremos que conviver com o desprestígio da vida humana?!Indagação de resposta difícil!
Sim, obras públicas (praças, calçamento, áreas de deleite) têm sua importância, adornos suntuosos igualmente têm o seu “valor”, mas verdade seja dita; um ente federativo, no caso um Município, não pode “viver” apenas disso. É preciso voltar os olhos a problemas maiores, é preciso dispensar atenção àquilo que realmente reclama reparo, cuidado. Sem sombra de dúvida, a educação e suas vicissitudes é o setor que, se não o mais necessitado, certamente é um dos principais a merecer reparos.
A palavra educação aqui utilizada, deve ser compreendida não apenas no seu sentido literal, mas, sim, de forma ampla. O ensino de qualidade é fundamental para uma sociedade sadia, culta, promissora, etc. Entrementes, dentro desse conceito (utópico), inclui-se o oferecimento de uma boa merenda, de um transporte digno e adequado, dentre outros.
Deveras, inaceitável que em pleno século XXI, Municípios se utilizem do chamado “pau-de arara” para o transporte de sua população, mormente de crianças.
Ora, se houve época em que referido transporte era o único meio mais célere de locomoção existente nos rincões do Nordeste, fato é que esse meio de transporte precário e irregular não pode ganhar sobrevida nos tempos atuais, pouco importando quem venha a utilizá-lo.
Mais que perigo eminente, esse meio de transporte revela-se em inexorável violação à dignidade humana daqueles seus destinatários. Ao Estado (leia-se: União, Estado, DF e Municípios), enquanto ente central do Poder Público, cabe-lhe a presteza e eficácia na realização dos serviços públicos, sob pena de violar direitos fundamentais inerentes ao ser humano. Infelizmente, in casu, violou-se o direito à vida de um jovem estudante.
Sem embargos, registro aqui a minha intolerância com o desrespeito ao ser humano, que, infelizmente, hodiernamente é relegado a último plano.