Venho fazendo, neste blog, um debate a respeito a suposta capacidade que as mídias sociais têm de fazer revoluções. Os que têm a paciência de ler sabem que eu me alinho entre os que entendem que as novas mídias são ferramenta e não as causadoras de mobilizações, como a chamada Primavera Árabe.

No post anterior sobre o assunto – Revolução foi tuitada, mas não foi feita pelo Twitter – pode-se encontrar link para outros posts sobre o tema.

Acomodação

Vejam na matéria abaixo, publicada originalmente no New York Times e reproduzida pela Folha de S. Paulo (22/9/2011), a tese defendida pelo pesquisador Navid Hassanpour. Ele diz que as redes sociais podem ser um fato de acomodação – e que a decisão do ex-dirigente egípicio, Hosni Mubarak, de bloquear as rede sociais,  ajudou a aumentar a mobilização contra o seu regime. Veja o artigo completo.

Mobilização ou distração?
NOAM COHEN
DO “NEW YORK TIMES”

As mídias, incluindo as ferramentas interativas de redes sociais, tornam você passivo, podem solapar sua iniciativa e fazer com que você se contente em assistir ao espetáculo da vida desde seu sofá ou de seu smartphone.
Até mesmo durante uma revolução, ao que parece.

Essa é a tese provocante de um novo artigo de Navid Hassanpour, pós-graduando em filosofia política na Universidade Yale, intitulado “Bloqueios da Mídia Exacerbam Agitação Revolucionária”.

Com cálculos complexos e vetores que representam a tomada de decisões por parte de potenciais manifestantes, Hassanpour, doutor em engenharia elétrica pela Universidade Stanford, estudou o levante recente no Egito.

Sua pergunta foi: “Até que ponto foi inteligente a decisão tomada pelo governo do ditador Hosni Mubarak em 28 de janeiro, no meio dos protestos cruciais na praça Tahir, de fechar as conexões à internet e aos celulares?”.

A conclusão dele é que a decisão não foi tão inteligente assim, mas não pelas razões mais previsíveis. “A conectividade plena em uma rede social às vezes representa um obstáculo à ação coletiva”, ele escreve.

Em outras palavras: a atividade toda de trocar mensagens no Twitter, no Facebook e por SMS é ótima para organizar e difundir uma mensagem de protesto, mas também pode transmitir uma mensagem de cautela, adiamento, incerteza ou, ainda, “não tenho tempo para esta política toda. Você já viu o último figurino de Lady Gaga?”.

É uma conclusão que contraria a ideia hoje aceita de que as mídias sociais ajudaram a impelir os protestos.
Hassanpour usou relatos feitos pela imprensa das explosões de agitação no Egito para mostrar que, a partir de 28 de janeiro, os protestos se disseminaram mais amplamente pelo Cairo e pelo país. Não havia necessariamente mais manifestantes, mas o movimento se espalhou para mais partes da população.

Ele chama isso de “processo de localização”. “Pode ser difícil medir esse processo, mas você pode testá-lo -pode testar o que acontece depois que entra em efeito uma interrupção das conexões”, argumenta.

Três efeitos no Cairo

Ele escreve que “a interrupção parcial ou total da cobertura dos celulares e da internet em 28 de janeiro exacerbou a turbulência de ao menos três formas”:

1) chamou a atenção de muitos cidadãos apolíticos, que não tinham consciência da turbulência ou não estavam interessados por ela;

2) obrigou a realização de mais comunicação cara a cara, ou seja, mais presença física nas ruas; e

3) descentralizou concretamente a rebelião no dia 28, graças à adoção de táticas de comunicação híbridas, fato que gerou algo mais difícil de controlar e reprimir do que teria sido uma só aglomeração de massa na praça Tahir.

Escuridão estranha

Ao “New York Times”, Hassanpour descreveu a “escuridão estranha” que acontece em uma sociedade sem acesso à mídia. “Somos mais normais quando sabemos o que está acontecendo; somos mais imprevisíveis quando não sabemos. Em uma escala de massas, isso tem implicações interessantes.”

O governo de Hosni Mubarak caiu, e, aos 83 anos, o ex-ditador foi levado de maca a um tribunal do Cairo para enfrentar acusações criminais de corrupção e cumplicidade na morte de manifestantes.

Jim Cowie, executivo-chefe de tecnologia da Renesys, empresa que avalia como a internet opera em todo o mundo, acredita que outro ditador deposto, Muammar Gaddafi, pode ter tomado nota da experiência egípcia.
Em um post em um blog no site da empresa, “O que a Líbia aprendeu com o Egito”, Cowie escreveu em março que a Líbia estudou a ideia de interromper a conexão com a internet no país.

Os líderes líbios “enfrentaram a mesma decisão no período que antecedeu a guerra civil”, ele escreveu. “A cada vez, possivelmente por terem aprendido com o exemplo egípcio, eles optaram por não implementar um blecaute de vários dias de todas as conexões”, completou.

Sufocar a rede

Os governos sofisticados compreendem “que fechar o acesso à rede radicaliza as coisas”, disse Hassanpour. O que é mais útil para os governos é “sufocar a largura de banda”, reconhecendo que “a internet é algo que é possível reduzir, sem eliminar”.

Esse processo visa tornar a conexão menos confiável e pronta, de modo que as páginas da web demorem para ser carregadas e que o streaming de vídeos seja imperfeito.

De acordo com Jim Cowie, o Irã foi um dos vários países que perceberam que “o negócio não é desligar a internet, mas fazer com que ela seja menos útil”, ao controlar quais bairros têm acesso a ela, por exemplo.
Hassanpour, que nasceu e foi criado no Irã, concorda com essa tese: “O Irã faz isso de maneira localizada”.

Tradução de CLARA ALLAIN (Folha de S. Paulo, 22/9/2011)