A Mel prefere se aquecer ao sol que se infiltra pelas janelas de manhã a ficar na internet (clique para ampliar)

«Durante algum tempo, parecia que a internet iria redemocratizar completamente a sociedade. Blogueiros e os chamados “jornalistas cidadãos” iriam reconstruir os meios de comunicação com as próprias mãos. (…) Contudo, esses tempos de conectividade cívica com que eu tanto sonhava ainda não chegaram.»

Sedução

«Eu chamo isso de a grande sedução. A revolução da Web 2.0 disseminou a promessa de levar mais verdade a mais pessoas – mais profundidade de informação, perspectiva global, opinião imparcial fornecida por observadores desapaixonados. Porém tudo isso é uma cortina de fumaça. O que a revolução da Web 2.0 está realmente proporcionado são observações superficiais do mundo à nossa volta, em vez de análise profunda; opinião estridente, em vez de julgamento.»

Pariser e Keen

O primeiro trecho é do livro O filtro invisível – O que a internet está escondendo de você, de Eli Pariser; o segundo extrato é do livro O culto do amador, de Andrew Keen, com o subtítulo “Como blogs, MySpace, YouTube e a pirataria digital estão destruindo nossa economia, cultura e valores”.

Pariser é presidente do conselho do MoveOn.org, portal de ativismo online. Keen é um “empreendedor pioneiro do Vale do Silício”, que se desencantou com tais negócios. Ambos afirmam não ser contra a tecnologia, reconhecendo seus benefícios; sendo Keen mais intolerante, uma espécie de Ariano Suassuna, defendendo com intransigência as “velhas mídias”.

Concordando-ou ou discordando-se do que defendem (eu tendo mais para a visão de Pariser) é leitura importante, principalmente para aqueles que caem de joelhos frente aos novos deuses tecnológicos.

Amadores

Em o “Culto do amador”, Keen investe contra os “amadores”, “jornalistas cidadãos”, blogueiros e outros que são aclamados como os democratizadores da internet, quando, na visão dele, estão praticando um grande mal.  Keen afirma que “a democratização, apesar de sua elevada idealização, está solapando a verdade, azedando o discurso cívico e depreciando a expetise, a experiência e o talento. (…) Está ameaçando o próprio futuro de nossas instituições culturais”. E cita Richard Edelman, executivo da maior empresa de relações públicas privada do mundo: “Nesta era de tecnologias de mídia em explosão, não existe nenhuma verdade, exceto aquela de você cria para você mesmo”.

E, para Keen, esse “solapamento da verdade está ameaçando a qualidade do discurso público civil, estimulando o plágio e o roubo da propriedade intelectual e sufocando a criatividade”.

Gigantes 

Pariser desmonta imagem charmosa e amigável que se formou em torno de Facebook, Google e quetais e diz que “a batalha fundamental” dos gigantes da internet – Google, Facebook, Apple e Microsoft – é saber o máximo possível sobre os usuários. E que as pessoas se submetem aos “gigantes” em uma espécie de “servidão voluntária”.

Para ele, a “personalização” da internet cria “bolhas” que se tornam uma espécie de espelho, no qual a pessoa se vê prisioneira, olhando a própria imagem refletida – e por isso gosta tanto. Mas Pariser diz que aquilo que é bom para o consumidor, não o é, necessariamente, para o cidadão.

Os donos das nossas vidas

Ele também fala de uma empresa pouco conhecida (e que faz questão de permanecer assim), a Acxion, que tem dados minuciosos sobre 96% dos domicílios americanos e de meio bilhão de pessoas em todo o mundo. Dados que são negociados a peso de ouro. Obviamente, um perigo para a democracia.

Como Keen, Parise também vê perigo na crise dos jornais. Informa que 99% do que é publicado nos blogues americanos (2010) são notícias de jornais comentadas. E ele pergunta: se esses geradores de notícias forem liquidados, quem fornecerá notícia de qualidade e comprovada por um jornalista profissional?

[A propósito: em ambos os livros, com mais de 200 páginas, uma boa edição os cortaria pela metade, sem que se perdesse nada de importante.]

Os novos monopólios

Para não ficar muito longo, vou deixar para que os interessados busquem mais nos próprios livros. É uma leitura que nos leva ao “outro lado” da internet, o seu lado obscuro, no qual operam aquilo que eu chamo de novas “majors” (nome dado às grandes produtoras e distribuidoras de cinema e disco americanas). O açambarcamento a que esses gigantes estão nos submetendo vão nos fazer sentir saudades das “majors” e do monopólio da Globo.

Ferramentas

Recentemente escrevi sobre o livro Informar não é comunicar, de Dominique Wolton  – um estudioso da comunicação – que pode funcionar como uma base teórica para esses dois livros. Na obra, Wolton fala da “ideologia tecnicista”, que tende a transferir para as “ferramentas” problemas que têm de ser resolvido pelos próprios homens.