Meu artigo publicado na edição de 6/3/2014, no O POVO.

Arte: Hélio Rôla

Arte: Hélio Rôla

Do lado negro do carnaval de Salvador
Plínio Bortolotti

Notícia publicada no portal Uol (4/3/2014) mostra o lado pouco conhecido do carnaval de Salvador. A situação precária dos chamados “cordeiros” (termo que já é uma acusação): aqueles homens e mulheres que seguram as cordas para separar o folião pagante da “pipoca”.
Os “cordeiros” – a maioria negros – recebem R$ 45, mais o benefício de uma substanciosa refeição de biscoito e água, para um percurso de quatro horas. O trabalho deles é impedir que outros pobres, os da “pipoca” – a maioria negros – invada a área destinada à elite branca endinheirada, que paga até R$ 1.800 para ficar em um camarote e R$ 1.500 pelo “abadá”.

Uma das moças que seguram a corda reclamou da situação “humilhante”, disse que já chegou a passar fome no circuito, pois guarda o dinheiro para comprar comida para os filhos. Outro diz que quando há confusão, eles apanham: “Os foliões empurram e fazem zona. O policial nunca vai achar que foram eles e sentam o cassetete em nós”. Muitos dormem pelas ruas, esperando mais um dia de trabalho. A reportagem do Uol assistiu foliões agredindo “cordeiros” ou negando-lhes água.

Digam o que quiserem – que é bom para o turismo, que turbina a economia, etc. -, porém, nada justifica a privatização do espaço público em favor de meia dúzia de empresários travestidos de artistas. Ou a festa nas ruas é pública, ou esses empreendedores privados que construam um “carnavaldrómo”, às suas expensas – para os que quiserem sambar fardados.

O Ministério Público, preocupado com os médicos cubanos, que têm casa, comida e roupa lavada, podia voltar seus olhos para esse trabalho degradante, já que nem mesmo gente boa como os baianos Gilberto Gil e Caetano Veloso deram uma palavra em favor dessa maioria negra, submetida a humilhantes condições de trabalho; nem pelos da “pipoca”, segregados em plena via pública, que devia ser do povo, como o céu é do condor – ou do avião.

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