Meu artigo, publicado no caderno “People”, coluna “Menu Político”, edição de 6/4/2014 do O POVO.

Racismo ou desculpa para a censura?
Plínio Bortolotti

Não tenho nenhuma afinidade com os jornalistas Ricardo Noblat e Paulo Henrique Amorim. Pelo contrário, renego o fato de ambos terem abdicado de fazer jornalismo, passando a agir como militantes; o primeiro contra o governo e o PT e o segundo a favor. E, no caso, cada um acusa o outro de integrar um certo PIG: Amorim seria do “partido da imprensa governista”; Noblat pertenceria ao “partido da imprensa golpista”.

Porém, isso não impede de me insurgir contra tentativas de cercear-lhes o direito de expressão. “A liberdade, se é que significa alguma coisa, significa o direito de dizer às pessoas o que elas não querem ouvir”, escreveu muito apropriadamente George Orwell.

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, processa o jornalista Ricardo Noblat, acusando-o de racismo, difamação e injúria. O motivo foi o artigo Joaquim Barbosa: fora do eixo, postado pelo jornalista em seu blog no O Globo. Se Noblat for condenado, a pena pode chegar a 10 anos de prisão.

No post, Noblat critica a “soberba”, o modo autoritário de Barbosa agir – e acrescenta: “Para entender melhor Joaquim acrescente-se a cor – sua cor. Há negros que padecem do complexo de inferioridade. Outros assumem uma postura radicalmente oposta para enfrentar a discriminação. […] Falta a Joaquim ‘grande conhecimento de assuntos de direito’, atesta a opinião quase unânime de juristas de primeira linha que preferem não se identificar. Mas ele é negro.”

É óbvio que julgar a personalidade de um homem – de qualquer cor ou etnia – como resultado unicamente de uma dicotomia é equivocado. E aspear supostas declarações de supostos juristas, que “preferem não se identificar”, para sustentar uma ideia, é mau jornalismo. Porém, causas insuficientes para cercear o direito de opinião ou para lançar uma pessoa na cadeia por um década.

Paulo Henrique Amorim é processado por outro jornalista, Ali Kamel, a quem chamou de racista, tendo escrito dezenas de posts para atenazá-lo com essa acusação. A investida de Amorim deu-se devido ao livro Não somos racistas, lançado por Kamel em 2006, no qual o diretor da Rede Globo de Televisão afirmava que as cotas poderiam acirrar as disputas raciais no país. Kamel já venceu duas ações: uma no STF (indenização de R$ 30 mil); outra na da Justiça do Rio (R$ 50 mil), pois, mesmo depois de perder a primeira, Amorim continuou com a diatribe. Kamel processou também outros blogueiros, por motivos diversos.

Amorim usa seu blog para desferir ataques desmedidos e ofensivos contra adversários, partidos de oposição e à imprensa “golpista” – praticando um condenável jornalismo panfletário. Aturar esse tipo de coisa, porém, é uma das faturas que se têm de pagar pela democracia.

Orwell escreveu a frase citada acima em prefácio para a primeira edição da Revolução dos bichos, momento em que estava sob ataque dos jornais ingleses – e continuava a combater pela liberdade de imprensa. Inclusive defendendo os jornais que o difamavam.

NOTAS

Judiciário
Estou a favor de acionar o judiciário quando se trata de repor algum tipo de injustiça, principalmente em caso de erros graves. Porém, o que se vê, em grande parte dos casos, são tentativas de usar o Judiciário para intimidação, o que configura abuso.

Frei Beto
Em entrevista ao jornal Zero Hora (http://goo.gl/dZzetR) Frei Betto conta que, quando Lula exercia a Presidência, certo dia o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos, disse-lhe que o presidente queria nomear um “jurista negro” para o Supremo Tribunal Federal (STF), perguntando-lhe se ele conhecia alguém. Frei Betto disse ter-se lembrado de um encontro com Joaquim Barbosa e passou o cartão dele a Bastos.

Direito
Na edição de 23/3/2014 publiquei o artigo O direito de difamar, no qual comento os 50 anos da histórica decisão da Corte Suprema dos Estados Unidos, baseada na primeira emenda da Constituição americana, garantindo a ampla liberdade de imprensa e de opinião.

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