Reprodução do artigo publicado no caderno “People”, coluna “Menu Político”, edição de 20/7/2014 do O POVO.

A Copa e seus usos
Plínio Bortolotti

Nesta altura do campeonato, o universo já sabe que a Alemanha é tetracampeã das Copas do Mundo, e o brasileiro já teve tempo suficiente para lamber as suas feridas. Falar-se-á durante muito tempo da derrota “vergonhosa” do selecionado canarinho. A vantagem é que o fantasma de 1950 poderá, finalmente, descansar em paz, pois a maldição foi superada pelos sete gols com os quais nos castigou a seleção que agora está com as duas mãos na taça.

De quebra, o brasileiro aprendeu que argentino não é aquele ser “arrogante”, um adversário do qual vale a pena ganhar no campo, de qualquer modo, sendo que “roubando é mais gostoso”. A alegre invasão argentina nos fez senti-los verdadeiros (ia dizer “hermanos”, mas essa palavra já deu o que tinha de dar). Nos sentimos, então, verdadeiramente (ia dizer “integrantes da mesma grande pátria latinoamericana”, mas ia soar muito anos 1960 ou “chavista”). Então, cada um pense como passou a ver os argentinos, retirados os filtros globais. (Na verdade verdadeira, argentinos são apenas gente, como todos os demais povos, como todos habitantes humanos do planeta Terra, com uma ou outra idiossincrasia.)

De minha parte, mantenho o que escrevi quando iniciei uma série sobre futebol nesta coluna, que deveria tratar de política, porém tornou-se um espaço de assuntos gerais. (Mas, enfim, tudo é política, inclusive o imposto de renda, como já sabia o poeta russo-georgiano Maiakoviski, e como recentemente nos mostrou o economista francês Thomas Piketti.) O que eu dizia é que gosto do futebol por vê-lo como uma metáfora da vida, porém seus dramas tem pouca ou nenhuma influência na vida prática das pessoas. Ninguém, do povo, fica mais rico ou mais pobre por causa do futebol, e nem organiza a sua vida ou dá seu voto pelo resultado de um jogo, por mais importante que seja (excluindo, obviamente, os fanáticos).

Mas, falando em política, vejam como são interessantes as análises da Copa, a partir dos dois campos (sem trocadilho) em que está dividido o Brasil. Do lado da situação, exalta-se a organização da Copa do Mundo; critica-se a cartolagem futebolística; tenta-se injetar otimismo, apesar da derrota em campo; canta-se e organização do Mundial – e se fala em “reorganizar” o futebol para “mudar mais”, como indica o portal da campanha de Dilma Rousseff

O portal do PSDB afirma que o PT é “estatizante” e quer criar a “Futebolbrás”; acusa a “falta de uma lista robusta de benefícios duradouros para a população decorrentes da realização da Copa no Brasil” – e tenta jogar nas costas do governo a derrota em campo, comparando o comando de Dilma na Presidência ao de Felipão nas quatro linhas.

Porém, PT e PSDB concordam plenamente em um ponto: afirmam categoricamente que a Copa está sendo usada politicamente. Agora, a resposta sobre quem está fazendo esse uso, vai depender do lado ao qual a pergunta for feita.

PS. Sugiro que o PSDB tome cuidado com a acusação que faz ao governo, de querer estatizar o futebol (apesar de duvidar que a presidente Dilma proponha equívoco de tal monta). Podem estar dando um tiro no pé. Do mau jeito que as coisas vão na CBF, se a proposta vier a lume, é bem provável que encontre amplo apoio na torcida brasileira.

NOTAS

Simpatia
Por óbvio, não se deve julgar ninguém pela “simpatia” aparente. Mas a presidente Dilma podia ter-se esforçar um pouco mais na cerimônia da entrega da taça ao selecionado alemão. Tudo bem que os torcedores da “elite” estavam vaiando. Porém, ela poderia ter estampado pelo menos um sorriso, ou puxar um daqueles rapagões e dar-lhe um abraço, como fez Angela Merkel, à qual também falta jogo de cintura, porém mostrou-se mais amável que a anfitriã.

Simpáticos
Simpatia não é exclusividade do povo brasileiro, que goza desse estereótipo benéfico; sem dúvida, os alemães também podem tê-la. Porém, o que a seleção alemã fez por aqui foi muito bem estudado, inclusive a aproximação com o “povo” e a benemerência com os índios. Tudo foi planejado, nada ficou ao acaso. Não é crítica, é constatação.

A propósito
Se os dirigentes do futebol brasileiro entendem que a seleção precisa de preparação psicológica, ok. Agora, convocar uma psicóloga de última hora, como se fosse uma socorrista do Samu, aí é que não dá.

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