CarlusReprodução da coluna “Menu Político”, caderno “People”, edição de 28/9/2014 do O POVO.

Jesus, o revolucionário
Plínio Bortolotti

O livro ganhou mais destaque devido a um questionamento agressivo de uma repórter, perguntando por que, sendo ele muçulmano, meteu-se a escrever sobre Jesus. Reza Aslan explicou que era um estudioso, com doutorado em história das religiões, que já publicara quatro títulos sobre o assunto – e que, por acaso, também era muçulmano. A entrevista foi na Fox News, TV americana (não é só no Brasil que existem entrevistadores sem noção), país no qual o iraniano Reza Aslan vive e trabalha. O livro é Zelota – A vida na época de Jesus de Nazaré.

Como no Brasil Deus normalmente é convocado – imagino que contra a vontade – a se apresentar na eleições, julguei interessante comentar o livro, que fala do filho Dele, que é, ao mesmo tempo Ele, segundo explicação da crença cristã, que tenho dificuldade em entender.

Para começar, não sei o que é pior: uma candidata que se faz de beata – tomando bênção do bispo Macedo a troco de votos – ou outra, achando que Deus é um executivo de carreiras, com um “plano” exclusivo para ela. O meu modelo, nesse aspecto, é a França. Por lá, se um candidato pelo menos passar em frente a um templo, ele perde votos. De qualquer modo, feita as contas, creio que o Jesus de Aslan está mais próximo do Psol/PSTU do que do PT e da Rede/PSB. (E mais distante ainda de pastores e outros santarrões.) Vamos ver.

Reza Aslan analisa Jesus a partir do tempo em que ele viveu, o que parece óbvio para se entender qualquer personagem do ponto de vista histórico, pois os homens (e Jesus foi um deles enquanto campeou na terra), são os homens e as suas circunstâncias, pois ninguém vive em um vácuo a-histórico.

Em uma Palestina do século I, sob o domínio romano, “imersa em energia messiânica”, Jesus era apenas mais um profeta, como qualquer pregador, seguido por “um bando de maltrapilhos” e “clamando sobre o fim do mundo”. A diferença era que Jesus fazia os seus prodígios de graça, ao contrário de outros milagreiros, que cobravam; com isso atraía pequenas multidões. O que Aslan busca explicar é como Jesus se destacou entre a multidão de profetas para “alterar de modo permanente o curso da história humana”.

Para Aslan, Jesus era um revolucionário zelota (que pregava o zelo com as tradições judaicas), preconizando o reino de Deus na Terra, e a recusa em servir a qualquer mestre estrangeiro (no caso, os romanos) – ou a qualquer mestre humano – uma devoção intransigente à soberania de Deus. Era uma pregação político-espiritual, assuntos que não se diferenciavam na época.

Jesus, como os demais profetas de seu tempo, prometia o Reino de Deus na terra, que estaria prestes a suceder, como um apelo à liberdade do domínio estrangeiro. Nesse reino, “os doentes serão curados, o fraco se torna forte, os famintos são alimentados e os pobres se tornarão ricos (…) a riqueza será distribuída e as dívidas serão perdoadas”. O Reino de Deus, assim, é um claro “chamado à revolução”. Desse ponto de vista, Jesus foi derrotado, pois não conseguiu o intento, sendo morto e crucificado pelo poder romano.

O Jesus ressuscitado, segundo Aslan, foi criado pelos seus seguidores, que concebem um Jesus romanizado, “vitorioso” frente à morte, e mais preocupado com os problemas transcendentais. Para Aslan, o Jesus “filho de Deus”, o próprio Deus encarnado, foi uma criação para cimentar o nascente cristianismo, porém, em confronto com a pregação politizada original de Jesus de Nazaré.

NOTAS

Discípulo
Aslan confessa-se admirador, um “discípulo”, de Jesus de Nazaré (histórico), “mais genuinamente do que jamais fui de Jesus Cristo” (criado pela religião). Por óbvio, Aslan duvida do dogma da virgindade de Maria, e dá como certo que Jesus tinha irmãos; um deles, Tiago, um dos doze apóstolos, figura das mais importantes do cristianismo primitivo, e que dá nome ao famoso caminho de Santiago (são Tiago) de Compostela, na Espanha.

Poder político
O autor sustenta sua tese de que Jesus prometia um “reino terreno”, devido ao fato dele ter sido morto e crucificado pelo crime de traição a Roma, ao “buscar o poder político de um rei (…) o mesmo crime pelo qual foram mortos todos os aspirantes messiânicos da época”.

Espada
Como bom revolucionário, Jesus não teria vindo ao mundo para trazer a paz, “mas a espada”. Dar a outra face e amar seus inimigos, referia-se apenas, segundo Aslan, aos seus iguais, os judeus – não sendo um princípio abstrato.

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