Reprodução da coluna “Menu Político”, publicada no caderno “People” do O POVO, edição de 19/10/2014.

Arte: Carlus

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Política, peixes e porcos
Plínio Bortolotti

Para comentar as selváticas eleições brasileiras, não é a primeira vez que recorro a Peixe na água, livro de memórias de Mario Vargas Llosa, em que ele conta a passagem de sua vida quando foi candidato a presidente do Peru, em 1990. Ele perdeu a eleição para Alberto Fujimori, que hoje se encontra preso, devido à diversidade de crimes praticadas – de corrupção a assassinatos – enquanto exercia a presidência do país andino.

Políticos brasileiros, de modo geral, devem considerar esta coluna (se é que algum deles lê essas maltraçadas) como de uma ingenuidade atroz, e devem classificar o escritor, Prêmio Nobel de Literatura, com um “sonhático” (mas desses que levam, mesmo, a sério, de verdade, o que dizem), o que será considerado um desvio de personalidade, pois entendem que todas as armas são lícitas, desde que sirvam ao pragmatismo necessário para derrotar o “inimigo”.

Levando-se em conta o que o Vargas Llosa escreveu, ele manteve um sentido de decência, difícil de se enxergar em qualquer político, à direita e à esquerda. Ele não vacilou em combater o preconceito e a superstição de seus próprios aliados, em plena campanha.

Uma das acusações de seus aliados contra Fujimori é que ele seria “menos peruano” devido à sua ascendência japonesa. Vargas Llosa relata que um dia estavam no comitê quando ouviu manifestantes na rua gritando palavras racistas contra Fujimori. De megafone na mão diz ter enfrentado seus aliados, dizendo ser inconcebível que se fizesse discriminação entre as pessoas em razão da pele, e que “branco, índio, chinês, negro ou japonês”, todos eram peruanos. O engenheiro Fujimori, gritou Vargas Llosa aos aliados: “É tão peruano quanto eu”.

Seus adversários o acusavam de ser “ateu” (ele se declara agnóstico), mesmo assim ele tinha o apoio da hierarquia católica peruana, temerosa do avanço evangélico, que se alinhava, em sua maioria, com Fujimori. Porém, Vargas Llosa via com aversão a disputa “adotando uma fisionomia de guerra religiosa, em que os ingênuos temores, os preconceitos e as armas limpas se misturavam aos sujos golpes baixos e às mais pérfidas manobras, de um e outro lado, a extremos que beiravam a farsa e o surrealismo”.

Vargas Llosa detestava os áulicos. Relata como, ao chegar a qualquer lugar, “uma pequena corte ou séquito de parentes, amigos e protegidos” se apresentavam a ele “como dirigentes populares”, trocando de ideologia e partido como “quem muda de camisa”. E continua, sem perdoar os puxa-sacos: “Eram sempre eles que, depois das manifestações, tentavam carregar-me nos ombros – costume ridículo, imitação dos toureiros, de que cheguei a ser obrigado a defender-me a pontapés (…) Lidar com caciques, tolerar os caciques, servir-me dos caciques, foi coisa que jamais soube fazer”.

Ele relata como sua assessoria quis convencê-lo a fazer uma campanha negativa contra Fujimori. A resposta dele é que só daria aprovação a informações comprováveis, porém “daquela reunião em diante pude intuir os escabrosos níveis de imundícies em que tanto os meus partidários como meus adversários haveriam de incorrer nas semanas subsequentes”.

Alguém imagina um candidato brasileiro alertando seus correligionários a somente divulgarem informações comprovadas? Chamando a atenção de aliados que atacam, por exemplo, os nordestinos classificando-os como brasileiros de segunda categoria?

NOTAS

Peixe na água
Mario Vargas Llosa publicou o livro em 1993, três anos após ser derrotado na disputa presidencial. Além das memórias eleitorais, capítulos se intercalam contando a vida do escritor desde 1958, quando ele deixa o Peru para viver em Paris.

Madrasta
O escritor era apresentado pelos adversários como “pervertido, pornógrafo e incestuoso”, devido ao seu livro Elogio da madrasta, que fala da relação entre um menino e a mulher com quem seu pai se casa em segunda núpcias. O livro foi lido inteiro, um capítulo por dia, no programa de Fujimori.

Porcos
Analisando o desenrolar dos acontecimentos, Varga Llosa escreve em um trecho do livro: “Mas, naquele ponto da campanha, eu já sabia que no Peru são raros os políticos a quem essa Circe [bruxa] que é a política não transforma em porcos.” Qualquer semelhança…

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