Reprodução da coluna “Menu Político”, publicada no caderno “People”, edição de 9/11/2014, do O POVO.

Arte: Hélio Rôla

Arte: Hélio Rôla

Perdidos na gororoba
Plínio Bortolotti

Os eventuais leitores que se aventuram por esta coluna ou nos artigos que escrevo às quinta-feiras para a editoria de Opinião, sabem que também costumo divulgar ideias das quais eventualmente discordo. Por dois motivos: creio que divulgar ideias é trabalho do jornalista e porque tenho gosto pelo debate, respeitadas as regras da civilidade.

Também não vejo problema em o jornalista declarar o lugar que ocupa no espectro ideológico. No meu caso, já disse, sou de esquerda, à moda no Norberto Bobbio (quem se interessar pode pôr o nome do filósofo italiano na “pesquisa” do meu blog que encontrará os textos). O problema surge quando o jornalista torna-se militante partidário, pois ele deixa de ser jornalista, como sói acontecer atualmente.

Leitores e ouvinte me dão as mais diversas classificações partidárias. É comum me alocarem como militante do PT; ou pelo inverso me atacarem pela esquerda: no momento em que critiquei a perseguição que a blogueira cubana Yoani Sánchez sofreu no Brasil, quando aqui esteve, fui chamado até de “agente da CIA” (haha, eu diria, se estivesse no Twitter).

Dia desses uma amiga disse que ouvia rádio ao lado do pai – faço intervenção diária no programa Revista O Povo, da rádio O POVO/CBN – quando ele lhe disse: “Lá vem aquele cara do PSDB”. Um leitor muito espirituoso deixou comentário em meu blog dizendo que eu faço parte de uma geração “que se perdeu na gororoba esquerdista” (me pondo ao lado do Juca Kfouri, porém acho que ele é um pouquinho mais velho do que eu).

Confesso a vocês, tenho certo orgulho das diversas categorizações partidárias com que me brindam. Não por jactar-me “imparcial” – porém, me considero um jornalista independente, pois rejeito alinhamentos automáticos. Independentemente do que eu pense sobre determinada política, governos ou agrupamento social, procuro olhar as coisas com autonomia, com as lentes do método jornalístico. O método – os cientistas sabem disso – se põe entre o observador e o objeto observado, de modo a reduzir a subjetividade: muito jornalista por aí esqueceu-se dessa lição elementar.

Como se viu nesta eleição, cada um dos jornalistas militantes acusou o “mensalão” do outro lado – ambos tem um para chamar de seu. Os do PSDB diziam que o mensalão mineiro era “diferente”, ou nada dele falavam; partidários do PT, minimizam os seus malfeitos. Cheguei a ouvir um colunista “de grife” dizendo que não via nada de irregular no aeroporto da cidade de Cláudio, construído por Aécio Neves nas terras da família; os do PT repetiam a fala de Dilma de que todos os que abordavam a corrupção na Petrobras estavam a serviço da destruição da empresa.

Os muitos exemplos não podem obliterar o fato de que a maioria dos “grandes” jornais e a maioria de seus colunistas queriam ver o PT pelas costas, como mostra o estudo do Manchetômetro, que contabilizou as manchetes favoráveis e contrárias a cada um dos candidatos. (Já vão dizer que sou “petista”)

NOTAS

Esgarçamento
A coluna de domingo passado (2/11/2014), da ombudsman da Folha de S. Paulo, Vera Guimarães, começa assim: “Não foram só as campanhas partidárias que surfaram na onda acusatória nas eleições deste ano. A imprensa navegou como nunca na mesma maré. A busca do furo e do protagonismo jornalístico fez os veículos esgarçarem seus critérios, dando enorme publicidade a acusações que só poderão ser comprovadas no futuro. Se é que o serão”.

Veja
No quesito, a revista Veja foi hors concours. Com o devido crédito ao meu leitor pela expressão, ela vem oferecendo uma verdadeira gororoba, como se fosse jornalismo.

Equilíbrio
À esquerda e à direita, prevaleceu a máxima: “Amigo meu não tem defeito, inimigo, se não tiver, eu invento”.

Tagged in: