Reprodução do artigo publicado na coluna “Menu Político”, caderno “People”, edição de 28/12/2014 do O POVO.

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Arte: Carlus

Qual o limite da liberdade de expressão?
Plínio Bortolotti

É raro encontrar-se alguém, à exclusão dos casos patológicos, que negue a importância da liberdade de expressão e de imprensa. A Constituição Brasileira, por exemplo, garante a “livre manifestação do pensamento” (art. 5º). A famosa Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos é curta e grossa ao tratar do tema, estabelecendo que o Congresso “não fará nenhuma lei (…) cerceando a liberdade de expressão ou de imprensa”.

À proposta de liberdade irrestrita à expressão contrapõe-se o argumento de que não existem direitos absolutos – nem mesmos os fundamentais – pois cada um deles deve ser ponderado em relação a outros direitos, tão importantes quanto.

Assistimos hoje no Brasil a um interessante debate (seria um paradoxo?) no qual a esquerda, impedida de se manifestar por longo período da história brasileira, defende hoje que se deve restringir, em alguns casos, a livre manifestação do pensamento.

No debate presidencial, por exemplo, a candidata do Psol, Luciana Genro, pediu a cassação da candidatura de Levy Fidelix, devido a um discurso dele convocando a população a “enfrentar essa minoria”, referindo-se aos homossexuais.

A propósito disso, Leonardo Sakamoto, que mantém um blog com o seu nome, referência para o “politicamente correto”, escreveu na ocasião um libelo acusatório contra Fidelix, afirmando existir “diferença entre emitir opinião e proferir discurso de ódio”. Para Sakamoto, “o problema não é ter opinião. Muito menos declará-la. E sim como você faz isso. De forma respeitosa ou agressiva?”, e arremata: “Tenho a certeza de que se o combate ao discurso de ódio gerar a cassação de uma candidatura, estaremos passando para um outro patamar de civilidade no país”.

O mesmo debate retornou mais recentemente, devido à ofensa do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), dirigida à deputada Maria do Rosário (PT-RS), dizendo que não a estuprava porque ela “não merecia”.

Concordo que a pessoa que se sentir ofendida por alguma declaração tem o direito de recorrer à Justiça, porém, em relação ao argumento de Sakamoto: que tribunal vai definir, a priori, o que é “discurso de ódio” e o que não é; o que é agressivo e o que não é? Sakamoto parece ofender-se com o mau gosto de alguns discursos, porém, essa é uma questão de preferência; ele é um sujeito muito afável em seus argumentos, mas não pode exigir que todos ajam do mesmo modo.

Raoul Vaneigem, em seu livro Nada é sagrado, tudo pode ser dito, afirma que “a liberdade de expressão é um direito humano até mesmo para dizer o inumano”. Diz que “as opiniões racistas, xenófobas, sexistas, sádicas, desdenhosas”, têm o direito de se exprimir, como qualquer outra, pois “ideia nenhuma é inadmissível, mesmo a mais aberrante, mesmo a mais odiosa”. Para ele, “não se combate nem se desestimula a estupidez e a ignomínia proibindo-as de se exprimir (…) o pior modo de condenar certas ideias é classificá-las como crime”.

Porém, o autor alerta que “tolerar todas as ideias não é aprová-las” – ele mesmo combate as “ideias odiosas”, desafiando: “Autorizem todas as opiniões, nós saberemos reconhecer as nossas”.

No livro Violência, mas para quê?, Anselm Jappe, ironiza a esquerda, afirmando que ela perdeu a capacidade de agir e que “a qualquer ofensa” recorre à Justiça: “Não se responde mais a uma injúria com outra injúria, ou no limite com um tapa; mas preenchendo um formulário na delegacia”.

NOTAS

Intimidação
Vaneigem ressalva que nos casos em que a intimidação dispõe dos meios para se realizar, será preciso ir além das respostas verbais. Ele dá como exemplo a rádio Mil Colinas, de Ruanda, na qual, durante a guerra civil, os hutus incitavam a massacres contra a etnia tutsi. Nesta situação, ele diz, a rádio deveria ter sido “reduzida ao silêncio” por uma intervenção internacional.

Argumentos
Se o argumento de Sakamoto (migre.me/nAqA6) padece do problema de ser necessário alguém definir o que é discurso agressivo ou “de ódio” e o que não é; no caso de Vaneigem o dilema aparece ao inverso: quando é que se vai saber, com segurança – a não ser em casos extremos -, se existem ou não meios para realizar uma ameaça verbal?

Dilema
E o leitor, o que acha? Fica com Sakamoto e Luciana Genro ou com Vaneigem e Jappe?

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