Reprodução da coluna “Menu Político”, publicada no caderno “People”, edição de 1º/3/2015 do O POVO.

CarlusQual é a verdadeira Bíblia?
Plínio Bortolotti

Semana passada escrevi nesta coluna a respeito do relato bíblico que conta a destruição de Sodoma e Gomorra pela ira divina, e da dificuldade que têm os intérpretes literais do livro em explicar, do ponto dos ensinamentos da religião, determinadas passagens da Bíblia.

Por coincidência ou sincronicidade, no mesmo dia em que o meu texto foi publicado, li comentário no jornal espanhol El País sobre o livro Ciencia y creencia – La promessa de la serpiente, publicado no Brasil com o título A promessa da serpente. No livro, Steve Jones, geneticista da Universidade de Londres, mostra porque é enganoso confiar na inteireza dos relatos bíblicos, uma vez que existem mais de 20 mil versões manuscritas, somente do Novo Testamento, e “apenas umas poucas” são idênticas entre si.

Para comprovar o fato, há poucos dias (agora digo eu) a Biblioteca Apostólica Vaticana divulgou o Códex Vaticano, manuscrito em grego, datado do século 4º d.C., considerado um dos mais importantes e antigos exemplares da Bíblia cristã, com o Velho e o Novo Testamentos. Pois o Códex não traz, por exemplo, a parte final do Evangelho de Marcos; o trecho no qual Jesus aparece ressuscitado aos discípulos. O capítulo termina quando as mulheres veem o túmulo vazio, mas nada dizem a ninguém. (Especialistas suspeitam que a “prova” da ressurreição foi acrescentada depois ao texto.) A famosa cena da mulher adúltera (Evangelho de João), na qual Jesus desafia os acusadores dizendo “atire a primeira pedra quem não tiver pecado”, também não consta do Códex, indicando que esse trecho pode ter sido incluído posteriormente.

Voltando a Jones, ele dá exemplos engraçados de erros de impressão na bíblia (que poderá provocar interpretações equivocadas se cair na mão de algum desavisado), que invertem o significado de algumas de suas lições. É o caso de uma bíblia de 1631, editada pelos impressores reais de Londres, que se esqueceram do advérbio “não”, no versículo 14 do capítulo 20 do Êxodo; assim o sétimo mandamento passou a recomendar: “Cometerás adultério”. As autoridades mandaram recolher os mil exemplares publicados para tocar fogo neles, porém escaparam da fogueira 11 das chamadas “bíblias adúlteras”, uma delas está no museu da Universidade Batista de Houston (EUA). Outra bíblia, esta impressa na Irlanda em 1716, substituiu, por erro tipográfico, o “vá e não peque mais” (na mesma passagem da Mulher Adúltera) por “vá e continue pecando”. Muitas das oito mil cópias jamais puderam ser recuperadas e destruídas.

O geneticista dá exemplo de como a bíblia pode sofrer transmutações, à medida em que é copiada e recopiada, comparando com a dupla hélice do DNA de nossas células, que transmite cerca de 60 mutações a cada recém-nascido. Para ele, o mesmo acontece com os pergaminhos, escritos e reescritos no decorrer dos séculos. Acumulando versões, diz Jones, o cristianismo já teve mais de 10 mil credos diferentes.

Jones também recorre à geomitologia para explicar algumas lendas bíblicas. Sobre o caso do dilúvio universal e da Arca de Noé, por exemplo, ele encontrou 300 relatos parecidos sobre inundações em todo o mundo, concluindo que esses mitos são comuns a muitos povos e religiões.

NOTAS

Inteligência
O Materia, site vinculado ao El País, apresenta-se como uma publicação voltada para a “ciência, meio ambiente, saúde e tecnologia”. Uma das reportagens apresenta um estudo mostrando uma suposta correlação negativa entre inteligência e fé. Ou seja, os autores do estudo sugerem que um intelecto superior supre as necessidades atendidas pela fé.

Religião
Segundo o site existem no mundo mais de quatro mil religiões, cada uma delas prometendo algum tipo de céu para seus fieis. Crer em algum deus é um traço comum a todas as civilizações e agrupamentos, no decorrer da história humana.

Crédito
No El País: La Biblia leída por un científico (A bíblia lida por um cientista). No site Materia: Cuanto más inteligentes, menos creyentes (Quanto mais inteligentes, menos crentes) e Un planeta con 4.200 religiones vivas e incalculables creencias ya extinguidas (Um planeta com 4.200 religiões vivas e incalculáveis crenças já extintas).

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