Reprodução do artigo publicado na coluna “Menu Político”, caderno “People”, edição de 15/3/2015, do O POVO.

Historiador ataca o Nordeste (estereotipado) e pede a sua dissolução
Plínio Bortolotti

A efeméride dos 100 anos da “seca do 15” e a sua simbologia – reforçada pela icônica obra de Rachel de Queiroz, O quinze, que que completa 85 – vêm provocando algumas atividades dedicadas a debater o fenômeno climático e também a identidade nordestina. Na semana passada, esteve no Espaço O POVO de Cultura & Arte o historiado Durval Muniz Albuquerque Júnior (paraibano, professor da UFRN) para conversar sobre o seu livro A invenção do Nordeste e outras artes.

Muniz faz dura crítica à existência de uma (suposta) “identidade nordestina”, que ele diz ter sido inventada pelas elites de São Paulo e Minas como tentativa de manter a sua proeminência, que começava a esvair-se, no início do século passado.

Ele começa dizendo – unanimidade entre os historiadores – que até o início do século XX não havia do conceito de Nordeste, até então, o país era entendido como Sul e Norte, da Bahia para cima.

“O Nordeste é uma invenção recente na história brasileira, não podendo ser tomado como objeto de estudo fora desta historicidade, sob pena de se cometer anacronismos e reduzi-lo a um simples recorte geográfico naturalizado”, assinala Muniz, lembrando que, além das “forças dirigentes” da época, intelectuais, artistas e escritores (a “geração de 30”) contribuíram para a consolidação de uma visão estereotipada do Nordeste, lugar da paisagem única (apesar de sua diversidade) dos “homens guabiru”; de incapazes; de uma terra esturricada, eternamente castigada pela seca; e de gente pedinte, sempre de chapéu na mão.

“Por que há quase noventa anos dizemos que somos discriminados com tanta seriedade e indignação. Por que dizemos com exaltação e rancor que somos esquecidos, que somos menosprezados e vítimas da história do país? Que mecanismos de poder e saber nos incita a colocarmo-nos sempre no lugar de vítimas, de colonizados, de miseráveis física e espiritualmente?”

Ao mesmo tempo Muniz anota que o interesse em arrancar recursos do governo federal, leva a classe dirigente nordestina “a se deleitar em afirmar sua impotência e se assumir como subordinada e dependente”.

Mas para o historiador não foram apenas as elites a forjar essa identidade deformada do Nordeste. Segundo ele, “tanto os vencedores de direita quanto os de esquerda tiveram, até agora, uma visão abstrata e autoritária do povo” de modo a tê-lo como “um povo amorfo ou massa de manobra, ou seja , em algo a ser dirigido, visto e dito sempre por intermédio dos outros”.

Portanto, Muniz diz que escreveu o livro não para defender o Nordeste, porém para atacá-lo e pedir a sua dissolução “enquanto essa maquinaria imagético-discursivo de reprodução da relações econômicas sociais e de poder, que fazem com que sejamos habitantes de uma das áreas mais pobres e de pessoas mais ricas do país”.

Assim, diz o historiador, “se o Nordeste foi inventado para ser este espaço de barragem da mudança” será preciso “destruí-lo para dar lugar a novas especialidades de poder e de saber”. Para ele, assumir a “nordestinidade” é emitir um discurso preso “à lógica da submissão”.

NOTAS

Divergência
Tenho algumas divergências em se negar a importância de identidades grupais; o homem necessita disso, desde quando vivia nas savanas. E, tirando os preconceitos grosseiros, é difícil saber o que é positivo ou negativo, em se tratando da identidade de um povo ou de um grupo. É impossível, por exemplo, manter e preservar as manifestações tradicionais, sem que isso signifique uma “barragem” à modernidade?

Debate
De qualquer modo, como sempre repito, este é um espaço de circulação de ideias. Por isso, de forma muito resumida, procurei expor as ideias de Durval Muniz da forma mais objetiva possível, deixando o debate aberto. Espero ter sido fiel fiel às suas proposições e à clareza (e paixão) com que ele as expõe, tanto no livro como pessoalmente.

Tese
A invenção do Nordeste e outras artes é resultado da tese de doutorado do professor Durval Muniz de Albuquerque Júnior. O livro está na quinta edição, brevemente será lançada a sexta, e está sendo traduzido para publicação nos Estados Unidos.

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